Ex-ministro do Supremo, que se demitiu da presidência da Comissão de Ética, diz
que foi informado há meses de que dois conselheiros não seriam reconduzidos e
afirma que nunca conversou diretamente com Dilma sobre essa decisão
Chico de Gois
BRASÍLIA Sepúlveda Pertence, que deixou ontem a presidência da Comissão de Ética
da Presidência, disse ao GLOBO que foi avisado há alguns meses, por um auxiliar
da presidente Dilma Rousseff, que ela não reconduziria os conselheiros Marília
Muricy e Fábio Coutinho a mais um mandato três anos. Esperou até ontem para
anunciar sua decisão de se retirar da presidência do órgão para não parecer que
se opunha aos três novos conselheiros escolhidos por Dilma. Mesmo evitando
comentários sobre os motivos da presidente, lamentou o fato, lembrando que é
uma tradição o segundo mandato dos conselheiros, e declarou que ouviu murmúrios
de que a não recondução de seus dois apadrinhados ocorreu por conta da atuação
deles na comissão. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Sepúlveda disse que nunca recebeu, direta ou
indiretamente, qualquer tipo de pressão ou cobrança sobre procedimentos
relativos a autoridades do governo. Afirma que a comissão agiu com liberdade e
classifica como "gratificante" o trabalho de tentar impor um
"padrão ético" à administração pública.
O que houve, ministro?
Nada de excepcional. Houve, entre o final do ano passado e meados deste ano,
uma série de vagas para reposição na Comissão de Ética. Três delas definitivas
de conselheiros que já haviam cumprido dois mandatos, o máximo permitido. E
duas vagas correspondentes à professora Marília Muricy, e o advogado e escritor
Fábio Coutinho. A presidente resolveu não reconduzir esses dois últimos. E a
recondução para o segundo mandato tem sido a tradição na comissão, exceto em
casos pessoais. Lamentei a não recondução porque se trata não apenas de duas
pessoas que aceitaram participar da comissão por indicação minha, como são dois
valores excepcionais, seja do ponto de vista moral, seja da perspectiva
intelectual.
A presidente chegou a conversar com o senhor sobre isso?
Não, não tive contato com ela. Tive um contato apenas para saber que a
presidente não ia reconduzir os dois.
Quando o senhor soube que eles não seriam reconduzidos?
Há alguns meses, antes da nomeação dos três novos conselheiros. Só retardei
minha renúncia para dar posse aos três e não parecer que minha atitude tem algo
a ver com restrições aos nomeados. Pelo contrário.
O senhor acredita que a não recondução se deu por conta da ação deles na
comissão?
Bem, havia murmúrios. Eu não tenho elementos para confirmar.
Quem informou o senhor sobre a decisão?
Eu preferia não dizer. Foi uma auxiliar da presidente. Não me deu razões
pelas quais ela não reconduziria os dois.
Como avalia o trabalho da comissão?
É um cargo sem remuneração nem mordomias e, afora a boa convivência, é mais
de tensões e preocupações do que de gratificações e alegrias. Não obstante, é
uma função gratificante porque colabora para esse trabalho de impor certos
padrões éticos à rotina da administração federal.
No período em que presidiu a comissão, houve intermediários da presidente
para tentar amenizar a ação do colegiado em relação a integrantes do governo?
Não, nunca recebi, direta ou indiretamente, do governo atual, como do
anterior, nenhuma insinuação, nenhuma pergunta, indagação sobre casos
pendentes. A comissão teve absoluta liberdade para decidir.
A não recondução levantou suspeitas de que a presidente não gostou da
atuação deles no caso de dois ministros...
Ouço falar que teria havido, no caso do ministro Lupi, um retardamento
involuntário na comunicação à Presidência. Mas não seria atribuído à relatora,
e sim ao presidente, que era eu. No caso do ministro Fernando Pimentel, o caso
ainda está em andamento. Pediu-se novos esclarecimentos, alargando-lhe a possibilidade
de defesa.
O senhor comunicou anteriormente à Presidência que iria deixar a comissão?
Não. Hoje foi a primeira reunião ordinária que se pôde fazer (nos últimos
meses). Não quis efetivar a renúncia antes de empossá-los porque nada tenho
contra os indicados.
Fonte: O Globo
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