A judicialização da política é antidemocrática na medida em que fere o
princípio do equilíbrio e da equipotência, expressão de Norberto Bobbio, entre
os poderes
O ministro Joaquim Barbosa é sem dúvida o príncipe do momento, aquele que
encanta e seduz os súditos. No conflagrado campo da internet, é chamado de
"justiceiro", "anjo vingador" e "verdugo". A
sanha condenatória que exibe nas sessões de julgamento da Ação Penal 470,
traduzida em votos mas também em sorrisos e esgares irônicos, quase sempre
escarnecendo dos políticos e de suas malfetorias, tem lhe garantido aplausos
por onde passa. Recentemente, sua presença roubou a cena na posse do novo
presidente do STJ, Felix Fischer. Daqui a dois meses, quando se tornar
presidente do STF, ele pretende procurar a presidente Dilma Rousseff para
discutir com ela uma reforma política que corrija pelo menos dois graves
problemas de nosso sistema político-eleitoral: o financiamento de campanhas e a
necessidade de coalizões para garantir a governabilidade, questões que estão na
gênese do chamado mensalão e de outros escândalos políticos. Ele revelou esses
planos em recente entrevista ao jornal francês Le Monde.
A reforma política é uma necessidade antiga da democracia brasileira. A
Constituinte definiu as linhas gerais do sistema político-eleitoral, mas
conservou paradigmas antigos, como o voto proporcional. Deixou de tratar de
detalhes como o financiamento. Os Constituintes eram muito criticados pelo
caráter detalhista e analítico do texto que estava sendo produzido. Nos anos
seguintes, dezenas de projetos nasceram e morreram nas comissões do Congresso.
O debate já consumiu falações demasiadas e muita tinta e papel com livros e
artigos sobre o tema. Fernando Henrique não enfrentou a reforma política, seu
sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, também não. E Dilma já está chegando ao
meio do mandato sem cuidar do assunto.
Quando o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal manifesta interesse
por essa reforma, podemos ver nesta disposição um aspecto positivo e um
preocupante. O interesse é positivo porque, sem um envolvimento de todas as
instituições e da própria sociedade com a reforma, dificilmente ela sairá do
atoleiro legislativo criado pelo compreensível instinto de preservação dos
políticos, temerosos em aprovar mudanças que podem lhes custar a sobrevivência.
O apoio do presidente da Suprema Corte pode garantir maior visibilidade ao
tema, aquecer o debate e contribuir para a aprovação da reforma, ainda que
limitada a poucos temas, desde que permitam a superação das mazelas mais
nocivas.
Mas, se passar disso, o envolvimento do Judiciário com o assunto será
preocupante. Representará a mais aguda manifestação do processo gradual de
"judicialização da política" que vem ocorrendo há alguns anos, sob o
silêncio de todos, inclusive do mundo político, seja por timidez, fragilidade
ou falta de percepção do fenêmeno. O julgamento do chamado mensalão está se
tornando capítulo importante desse processo. A judicialização da política é a
submissão dos poderes políticos, que derivam diretamente da vontade popular
expressa pelo voto — o Legislativo e o Executivo, mais especificamente a
Presidência — ao Judiciário e ao Ministério Público, poderes tão legítimos
quanto os outros dois, mas não derivados do voto popular. Juízes e procuradores
entram na carreira por concurso ou nomeados pelo presidente da República em se
tratando de cargos de tribunais superiores e assemelhados. A reforma política
pode e deve ser discutida por todos, mas caberá exclusivamente ao Congresso aprová-la,
como prevê a Constituição. Acorda, Congresso!
Os políticos certamente contribuíram, com seus deslizes e delitos, para a
judicialização da política em curso em nosso país. Foram eles que fizeram a
redemocratização (com o povo, naturalmente) e elaboraram a Constituição.
Depois, os tribunais e o Ministério Público tomaram a si a defesa da
Constituição e dos fundamentos éticos, ao passo que os políticos foram caindo
na vala do desprezo e do descrédito. Mas a judicialização da política é
antidemocrática na medida em que fere o princípio do equilíbrio e da
equipotência, expressão de Norberto Bobbio, entre os poderes. Acorda,
Congresso!
Calendas. O ministro Joaquim Barbosa é também o relator da Ação Penal 536, do chamado
mensalão tucano de 1998, que, embora ocorrido bem antes, será julgado depois do
chamado mensalão petista, de 2003/2004. Ele tem dito que, após assumir a
presidência do STF, renunciará à relatoria, embora possa acumular as funções.
Com isso, o processo voltará à estaca zero e levará bom tempo para ser julgado.
Dilma na ONU. A presidente Dilma faz, sempre, mudanças de última hora nos discursos
preparados pelo Itamaraty ou pela assessoria. Como fez ontem, em Nova York, com
sua fala de hoje na ONU. A novidade de 2011, quando foi a primeira mulher a
abrir a Assembleia-Geral do organismo, já passou. Mas o momento é mais grave.
Ela abordará a crise econômica nas centrais do capitalismo, pedirá a reforma do
Conselho de Segurança, defenderá o fortalecimento do multilateralismo e, mais
uma vez, defenderá o Estado Palestino. À margem, sem a presença dela, o
ministro Patriota participará de dois encontros importantes. O dos Brics e o do
G-4.
Fonte: Correio Braziliense
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