A presença constante no noticiário de Luís Inácio Lula da Silva impõe a
discussão sobre o papel que deveriam desempenhar os ex-presidentes. A
democracia brasileira é muito jovem. Ainda não sabemos o que fazer institucionalmente
com um ex-presidente. Dos quatros que estão vivos, somente um não tem
participação política mais ativa. O ideal seria que após o mandato cada um
fosse cuidar do seu legado. Também poderia fazer parte do Conselho da
República, que foi criado pela Constituição de 1988, mas que foi abandonado
pelos governos - e, por estranho que pareça, sem que ninguém reclamasse.
Exercer tão alto cargo é o ápice da carreira de qualquer brasileiro.
Continuar na arena política diminui a sua importância histórica - mesmo sabendo
que alguns têm estatura bem diminuta, como José Ribamar da Costa, vulgo José
Sarney, ou Fernando Collor. No caso de Lula, o que chama a atenção é que ele
não deseja simplesmente estar participando da política, o que já seria ruim.
Não. Ele quer ser o dirigente máximo, uma espécie de guia genial dos povos do
século XXI. É um misto de Moisés e Stalin, sem que tenhamos nenhum Mar Vermelho
para atravessar e muito menos vivamos sob um regime totalitário.
As reuniões nestes quase dois anos com a presidente Dilma Rousseff são, no
mínimo, constrangedoras. Lula fez questão de publicizar ao máximo todos os
encontros. É um claro sinal de interferência. E Dilma? Aceita passivamente o
jugo do seu criador. Os últimos acontecimentos envolvendo as eleições municipais
e o julgamento do mensalão reforçam a tese de que o PT criou a presidência
dupla: um, fica no Palácio do Planalto para despachar o expediente e cuidar da
máquina administrativa, funções que Dilma já desempenhava quando era
responsável pela Casa Civil; outro, permanece em São Bernardo do Campo, onde
passa os dias dedicado ao que gosta, às articulações políticas, e agindo como
se ainda estivesse no pleno gozo do cargo de presidente da República.
Lula ainda não percebeu que a presença constante no cotidiano político está,
rapidamente, desgastando o seu capital político. Até seus aliados já estão
cansados. Deve ser duro ter de achar graça das mesmas metáforas, das piadas
chulas, dos exemplos grotescos, da fala desconexa. A cada dia o seu auditório é
menor. Os comícios de São Paulo, Salvador, São Bernardo e Santo André, somados,
não reuniram mais que 6 mil pessoas. Foram demonstrações inequívocas de que ele
não mais arrebata multidões. E, em especial, o comício de Salvador é bem
ilustrativo. Foram arrebanhadas - como gado - algumas centenas de espectadores
para demonstrar apoio. Ninguém estava interessado em ouvi-lo. A indiferença era
evidente. Os "militantes" estavam com fome, queriam comer o lanche
que ganharam e receber os 25 reais de remuneração para assistir o ato - uma
espécie de bolsa-comício, mais uma criação do PT. Foi patético.
O ex-presidente deveria parar de usar a coação para impor a sua vontade. É
feio. Não faça isso. Veja que não pegou bem coagir: 1. Cinco partidos para
assinar uma nota defendendo-o das acusações de Marcos Valério; 2. A presidente
para que fizesse uma nota oficial somente para defendê-lo de um simples artigo
de jornal; 3. Ministros do STF antes do início do julgamento do mensalão. Só
porque os nomeou? O senhor não sabe que quem os nomeou não foi o senhor, mas o
presidente da República? O senhor já leu a Constituição?
O ex-presidente não quer admitir que seu tempo já passou. Não reconhece que,
como tudo na vida, o encanto acabou. O cansaço é geral. O que ele fala, não
mais se realiza. Perdeu os poderes que acreditava serem mágicos e não produto
de uma sociedade despolitizada, invertebrada e de um fugaz crescimento
econômico. Claro que, para uma pessoa como Lula, com um ego inflado durante
décadas por pretensos intelectuais, que o transformaram no primeiro em tudo
(primeiro autêntico líder operário, líder do primeiro partido de trabalhadores
etc, etc), não deve ser nada fácil cair na real. Mas, como diria um velho
locutor esportivo, "não adianta chorar". Agora suas palavras são recebidas
com desdém e um sorriso irônico.
Lula foi, recentemente, chamado de deus pela então senadora Marta Suplicy.
Nem na ditadura do Estado Novo alguém teve a ousadia de dizer que Getúlio
Vargas era um deus. É desta forma que agem os aduladores do ex-presidente. E
ele deve adorar, não? Reforça o desprezo que sempre nutriu pela política. Pois,
se é deus, para que fazer política? Neste caso, com o perdão da ousadia, se ele
é deus não poderia saber das frequentes reuniões, no quarto andar do Palácio do
Planalto, entre José Dirceu e Marcos Valério?
Mas, falando sério, o tempo urge, ex-presidente. Note:
"ex-presidente". Dê um tempo. Volte para São Bernardo e cumpra o que
tinha prometido fazer e não fez. Lembra? O senhor disse que não via a hora de
voltar para casa, descansar e organizar no domingo um churrasco reunindo os
amigos. Faça isso. Deixe de se meter em questões que não são afeitas a um
ex-presidente. Dê um bom exemplo. Pense em cuidar do seu legado, que,
infelizmente para o senhor, deverá ficar maculado para sempre pelo mensalão. E
lá, do alto do seu apartamento de cobertura, na Avenida Prestes Maia, poderá
observar a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, onde sua história teve início.
E, se o senhor me permitir um conselho, comece a fazer um balanço sincero da
sua vida política. Esqueça os bajuladores. Coloque de lado a empáfia, a
soberba. Pense em um encontro com a verdade. Fará bem ao senhor e ao Brasil.
Fonte: O Globo
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