Não há dúvida de que o ministro relator Ricardo Lewandowski, alterando seu voto
para absolver vários réus que já havia condenado por formação de quadrilha, deu
coerência à sua decisão, anunciada ontem, de não considerar que houve formação
de quadrilha em relação também aos núcleos político, empresarial e financeiro
do mensalão.
E ele, ao valer-se dos votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia para
basear o seu, também se respaldou na posição de colegas que não seguem a
maioria de seus votos, dando assim um toque de isenção à sua atuação de ontem.
Na verdade, tanto essa questão quanto a de lavagem de dinheiro são acusações
acessórias que estão muito discutidas neste julgamento do Supremo Tribunal
Federal, e uma definição do plenário da Corte deve balizar as decisões de
outras instâncias.
São mais importantes nesse sentido, de ditar caminhos futuros, do que
especificamente neste julgamento, que já teve seus principais objetos —
corrupção ativa e passiva, peculato — definidos.
É claro que uma condenação por um crime a mais sempre é prejudicial a um
réu, e exatamente por isso o revisor insinuou no seu voto que o procurador-
geral da República havia imputado a réus o crime de formação de quadrilha com o
intuito único de agravar as penas. Caso sejam condenados por "formação de
quadrilha", eles só terão as penas acrescidas se a condenação for pela
pena máxima de três anos. Se a condenação for pela pena mínima, de um a dois
anos, o crime já estará prescrito. A condenação teria assim sentido apenas
simbólico.
"No campo criminal não se admite generalizações para enquadrar
determinado comportamento, como também não se aceita analogia", advertiu o
revisor. Ele se baseou na tese de Rosa Weber, que havia defendido anteriormente
que o delito de formação de quadrilha "tem a perturbação da paz pública, a
quebra do sentimento geral de tranquilidade e sossego como fins".
Para ela, o que a lei procura é "evitar a conduta que viabiliza
sociedades montadas para o crime — grupos montados para roubar, falsificar,
extorquir...". As duas juízas bateram-se no mesmo ponto: as quadrilhas
devem sobreviver dos produtos de seus crimes, o que não era o caso. Cármen
Lúcia e Rosa Weber alegaram em seus votos que a formação de quadrilha ou bando
se define pela associação permanente para a prática de crimes. Segundo Rosa
Weber, o que caracteriza esse tipo de crime "não é a perturbação da paz
pública em si", mas a decisão "de sobreviver à base dos produtos
auferidos em ações criminosas indistintas".
Acompanhando a divergência, a ministra Cármen Lúcia disse que o que
caracteriza o crime de quadrilha é a prática de "crimes em geral, o que
não vislumbrei". Para ela, a acusação do Ministério Público de que o
esquema previa "pequenas quadrilhas com outras quadrilhas" não
convence, e o que houve foi "reunião de pessoas para práticas criminosas,
mas para atender a vantagens especificas de alguns réus, e não para atingir a
paz social".
Essa definição restrita à letra da lei dificulta muito a definição do que
seja a formação de quadrilha, pois há entre os ministros quem veja nessa
associação criminosa ameaça à paz pública, sim, pois o projeto tinha por meta
superar a separação de poderes que caracteriza uma sociedade democrática,
tornando o Legislativo subordinado ao Executivo.
O próprio ministro Ayres Britto, presidente do Supremo, retificou uma
definição que dera anteriormente. Ao se referir ao que aconteceu no mensalão
como um golpe no sistema democrático, ele parecia ter dado uma dimensão
institucional ao seu voto, mas esclareceu que usou o termo no sentido de
"atingir" a democracia.
O ministro Luiz Fux, que seguiu o relator na primeira votação sobre
quadrilha, declarou em seu voto que via a reunião permanente dos membros dos
diversos núcleos como característica de uma quadrilha.
O caso do chamado núcleo político do PT é diferente do anterior, no qual os
políticos da base aliada, de diversas legendas, apanharam dinheiro na boca do
caixa. Não seria uma incongruência, portanto, se ministros que não
classificaram de quadrilha a formação anterior identificassem neste item a
existência desse crime.
Mas o que o revisor Ricardo Lewandowski tentou ontem foi amarrar
definitivamente os votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Fonte: O Globo
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