No Brasil, é costume dar maior importância aos candidatos ao Poder Executivo
do que ao Legislativo: prefeitos, por exemplo, são mais poderosos que
vereadores. Para o Executivo sempre temos menor número de postulantes. Em São
Paulo, os 55 cargos da Câmara são disputados por quase 1,2 mil pessoas,
enquanto só 12 disputam a prefeitura. Para cada candidato a prefeito, temos cem
a vereador! Mas por isso mesmo quero, pela primeira vez nesta coluna, fazer um
apelo aos leitores: escolham com o máximo cuidado o seu vereador. Muita coisa
depende deles.
A boa notícia é que, pelo menos nas grandes cidades, onde a eleição é mais
competitiva, há bons candidatos ao Legislativo em todos os principais partidos.
Quer eu vote em Marcio Lacerda ou Patrus Ananias, em Eduardo Paes ou Marcelo
Freixo, em José Serra ou Fernando Haddad, seus partidos têm quadros para a
respectiva Câmara. O parlamento, como diz o nome, é o lugar em que se fala (do
verbo francês "parler"), e é importante contarmos nele com políticos
bons, conhecedores da coisa pública e empenhados em melhorá-la. Melhor ainda se
vários partidos tiverem vereadores qualificados, porque dialogarão de maneira
produtiva. Voltarei a isso. Antes, detalho meu apelo.
Creio que os interessados no avanço de nossos costumes políticos, entre os
quais suponho estarem os leitores deste jornal, podem e devem dedicar um tempo
- meia hora, uma hora - a pesquisar os candidatos dos partidos de sua
preferência para ver quem são os melhores nomes para a Câmara. Se já são
vereadores, é o caso de verificar que projetos apresentaram, o que relataram,
como votaram nas questões relevantes. Se não o são, devemos ver o que propõem e
qual o seu histórico. Infelizmente, não encontrei essa informação para os
candidatos paulistanos e imagino que tal dificuldade seja geral. Mas, ainda
assim, garimpar esses dados é um trabalho que vale a pena. Dá para ver quem é
mais capacitado. Isso significa perguntar como eles se darão nas competências e
atribuições do Legislativo da cidade. Eu descartaria quem concentra as
propostas, ou a atuação, em questões que fogem da esfera municipal: por
exemplo, um candidato cuja plataforma está centrada na religião ou em qualquer
causa, nobre que seja, de âmbito que não é o da cidade. Porém, dentre os
postulantes que discutem o município, tentaria escolher, na família partidária
mais próxima, quem conheça bem os temas que constituem o bem-viver das pessoas,
em especial, transporte, trânsito, saúde, educação.
Recomendo, depois disso, que façam campanha junto a amigos, parentes e conhecidos.
Na verdade, é tal o descaso pelo Legislativo que muitos votam, para vereador,
como numa loteria. Seguem um palpite, escolhem aleatoriamente ou sufragam
apenas a legenda do partido. Em todos os casos, perdem a chance de melhorar a
composição da Câmara. Por isso, quem se der ao trabalho que sugeri terá
condições de conseguir votos para seu vereador. Será mais fácil ele convencer
alguém a votar num candidato à vereança do que num nome que disputa a
prefeitura. Muitas pessoas já têm candidato a prefeito, ou pelo menos sua
indecisão está afunilada em poucos nomes. Já para a Câmara, são tantos os
postulantes que a opção fica difícil e, assim, uma recomendação bem
fundamentada pode ser bem acolhida e, mais que isso, ser uma contribuição para
a sociedade.
A lei eleitoral exagera no número de candidatos que permite para os órgãos
eleitos proporcionalmente. Cada partido pode lançar 1,5 vez o número de vagas.
Vejam a maior Câmara do país, a paulistana, com 55 vereadores. Sua maior
bancada tem 11 membros, ou vinte por cento do total. Mesmo assim, cada
agremiação pode apresentar 82 nomes. Isso é absurdo. Mesmo que ela dobre seus
eleitos, ainda ficarão sessenta candidatos fora... Assim surgem muitos nomes
sem razão de ser, alguns até não recebendo voto algum na eleição. Por exemplo,
em 2010, dos quase 1,2 mil candidatos paulistas a deputado federal, nada menos
do que 153 acabaram tendo votação zero. Não é espantoso? Não é um desperdício,
um absurdo?
Agora, por que insisto em que há bons candidatos em todos os principais
partidos? Porque uma das grandes características da democracia é o diálogo. Se
tivermos parlamentares capacitados, eles não precisarão apelar para a demagogia
ou a histeria. Um bom livro de ciência política é "Comunidade e
democracia: a experiência da Itália moderna", de Robert Putnam - um prazer
de ler, para o especialista e o leigo. O autor relaciona, a certa altura, os
avanços democráticos de cada região da Itália com a capacidade dos partidos
para cruzar suas fronteiras, dialogar, negociar, avançar o máximo possível.
Quando a relação entre eles é de antagonismo, ódio, guerra, pouco se consegue.
Quando têm uma relação de confiança, conversa, negociação, os resultados para a
sociedade são positivos. Para isso os partidos têm que ser fiéis a seus eleitores,
se não a negociação descamba em negociata. Mas exatamente por isso é crucial
termos vereadores bons de partidos mesmo opostos. Porque saberão onde ser
firmes e onde ceder. Saberão encontrar pontos de convergência e identificar os
de divergência. Mais que tudo, melhoraremos a qualidade do debate político.
Porque ninguém merece uma política na base do bate-boca. Mas isso depende de
nós. Depende literalmente de cada leitor. É um pequeno trabalho antes da
eleição, com chances de um bom resultado. Isso, mesmo ou sobretudo se elegermos
um bom vereador de oposição. A questão não é só quem vai estar no governo.
Porque é preciso melhorar este esquecido do eleitor, que é o Legislativo.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na
Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico
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