Brasil perdeu a capacidade de negociação de acordos comerciais,
multilaterais ou de qualquer outro tipo
Ninguém notou a mais importante mudança da política externa da presidente
Dilma em relação ao governo Lula: o abandono das negociações da Rodada Doha da
Organização Mundial de Comércio (OMC).
Não é que se tenha anunciado isso de modo formal. Mas, ao aumentar as
tarifas de uma centena de produtos, o governo sinalizou que, no fundo, já não
acredita mais na possibilidade de conclusão da rodada. Com efeito, a fim de
ganhar algo nas negociações, o Brasil precisaria não só se abster de agravar a
proteção, mas teria de efetuar reduções adicionais nas tarifas de manufaturas.
Era o que o governo Lula havia aceito em julho de 2008 quando, junto com a
Europa, lideramos a última tentativa séria de garantir o êxito da rodada,
abortada pelos EUA, Índia e China. Desde então nos retraímos e agora
ingressamos em zona controvertida: praticamente voltamos as costas à estratégia
de dar prioridade às negociações multilaterais da OMC, seguida por todos os
governos brasileiros das décadas recentes. No governo Lula, a posição de
privilegiar a OMC a fim de obter ganhos em agricultura se tornou uma das razões
principais da credibilidade conquistada pelo país nos foros internacionais.
Por que então a mudança súbita? Não se trata, obviamente, de capricho ou
ideologia. A explicação é que a crise de competitividade, sobretudo da
indústria, atingiu seu ponto crítico. O Brasil perdeu a capacidade de negociar
acordos comerciais, multilaterais ou de qualquer tipo. Como viabilizar acordos
que exigem concessões se essas vão expor mais setores que mal se mantêm de pé
apesar das doses de anabolizantes?
É por isso que se supõe que o retrocesso (pois é disso que se trata) seja de
ordem tática. Isto é, que se destina a ganhar tempo para que se recupere a
competitividade. De nada serve pretender que são medidas de defesa comercial.
Essas últimas -antidumping, taxas compensatórias- só podem ser aplicadas com
processo regulamentado pela OMC.
A ação brasileira não foi ilegal, mas teve caráter unilateral, não obedeceu
ao formato das medidas de defesa e certamente violou o compromisso adotado pelo
G20 para não agravar o nível de proteção.
Falta autoridade moral a Washington para protestar, pois a administração
Obama deve ser o governo americano com menor contribuição à liberalização do
comércio mundial. Porém, o ponto não é esse. Se o governo brasileiro entendeu
que não tinha alternativa a dar esse grave passo, certamente o terá feito por
dispor de estratégia coerente. Estratégia não só para melhorar as condições de
competitividade, como começou a fazer parcialmente com redução de juros,
correção do câmbio e anúncios sobre eletricidade e infraestrutura.
Se o esforço der certo, ainda será necessário ao Brasil ampliar seus
mercados. Ao abrir, para isso, mão da OMC, só nos sobra o combalido Mercosul,
que não convence ninguém como estratégia global. Será que temos mesmo essa
estratégia?
Fonte: Folha de S. Paulo
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