Novo depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público reabre a discussão
sobre a possibilidade de concessão do benefício de diminuição da pena ao
empresário
Se de um lado o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres
Britto, e o próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, despistam
sobre uma possível delação premiada ao empresário Marcos Valério Fernandes de
Souza, do outro, fontes do Ministério Público afirmam que, em tese, o benefício
pode ser obtido pelo réu inclusive na fase de execução da pena. Neste caso, em
troca de alguma vantagem relativa ao cumprimento da sentença. A avaliação,
porém, é de que não basta o réu acusar ou citar a participação de outras
pessoas no esquema criminoso, mas é necessário que ele apresente novas provas
ou indique caminhos para a elucidação de fatos ainda não conhecidos.
Embora a delação e o pedido de inclusão de Valério no serviço de proteção à
testemunha seja cogitado pela defesa do réu, o ministro do Supremo Marco
Aurélio Mello avalia que não há como ele escapar da prisão, uma vez que o
empresário já foi condenado pela Corte a uma pena de 40 anos de cadeia (veja
quadro ao lado). “Não vejo como ele não ser preso, porque a execução da pena
leva à custódia. Aí no caso de inclusão dele (no serviço de proteção) surge um
problema, porque ele terá que cumprir pena e ser protegido. A saída seria uma
prisão onde ele ficasse isolado”, ponderou o ministro.
Reportagem publicada ontem pelo jornal O
Estado de S. Paulo aponta que Marcos Valério prestou depoimento ao
procurador-geral da República no fim de setembro, após ter marcado audiência
espontaneamente. Na ocasião, o operador do esquema do mensalão teria mencionado
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Antonio Palocci e,
ainda, o assassinato em 2002 do então prefeito de Santo André, Celso Daniel.
Valério contou, conforme a matéria, que foi ameaçado de morte. Ele também teria
revelado a existência de outras remessas de dinheiro para o exterior, além
daquelas já conhecidas na Ação Penal 470.
Marcos Valério tem investido em sucessivas tentativas de obter o benefício da
delação premiada. O Correio
mostrou em 10 de agosto que a defesa do empresário formalizou
um pedido ao Supremo para que considerasse a “colaboração” do empresário com as
investigações. No fim de setembro, depois do depoimento que teria prestado,
Valério enviou um fax ao Supremo, no qual alegou estar correndo risco de morte
e pediu para ser incluído no serviço de proteção à testemunha. Ele teria se
comprometido a fazer novas acusações caso esse pedido seja aceito. Quando preso
na penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, Valério foi espancado
por detentos e chegou a ser torturado.
Colaboração
Para o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, coordenador do Núcleo de Combate
às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios, o instituto da delação premiada pode levar a benefícios como
redução de um a dois terços da pena, perdão judicial, proteção do Estado,
cumprimento de regime menos gravoso e até redução dos bens sequestrados pela
Justiça, a depender do caso e do estágio do processo. Caso o Ministério Público
considere que houve uma colaboração significativa, poderá, em tese, até
ingressar com habeas corpus em favor do delator para livrá-lo da prisão.
Segundo o promotor que atua no processo de delação premiada de Durval Barbosa
na Operação Caixa de Pandora, a colaboração precisa levar a um fato novo ainda
não conhecido do Ministério Público e precisa ser importante. “Não se pode
fazer acordo com o chefão para pegar apenas um soldado, um protagonista da
organização criminosa para pegar pessoas de menor relevância. Se o Ministério
Público aceitar conceder um benefício a um integrante da quadrilha, precisa
pegar uma pessoa de maior importância”, afirmou em tese.
Roberto Gurgel não confirmou ter tomado um novo depoimento de Valério. Durante
entrevista em Ipojuca (PE), onde participa do Encontro Nacional de Procuradores
da República, afirmou, porém, que o prazo para delação no processo do mensalão
já está encerrado. Ele alertou que eventuais depoimentos ocorridos após a fase
de instrução do julgamento só poderiam acarretar em benefício ao réu em outros
processos. No caso de Valério, ele responde a outras ações que são
desdobramentos do mensalão na Justiça de primeira instância.
O pedido de delação apresentado por Valério está em segredo de Justiça por
determinação do presidente do STF, Carlos Ayres Britto. “O presidente me disse
que recebeu o fax e implementou o segredo de Justiça porque ele (Valério) se
dizia receoso de haver um atentado contra ele”, contou ao Correio o ministro
Marco Aurélio. Na última terça-feira, Britto afirmou que o pedido de delação
não terá qualquer interferência no julgamento iniciado em 2 de agosto e ainda
sem data para conclusão. A próxima sessão destinada ao mensalão será na próxima
quarta, dia 7, quando os ministros continuarão a analisar a dosimetria das
penas. Por enquanto, os magistrados concluíram apenas o cálculo da pena de
Marcos Valério.
O empresário chegou a propor uma delação no começo das investigações do
escândalo do mensalão, mas o Ministério Público não formalizou um acordo com
ele, uma vez que ele não teria colaborado com a elucidação dos crimes. No que
depender dos ministros da Suprema Corte, a possibilidade de delação a Valério é
remota. Joaquim Barbosa frisou durante uma das sessões do julgamento que há
inúmeras contradições nos depoimentos de Marcos Valério. “É interessante notar
que Marcos Valério muda de versão conforme as circunstâncias”, afirmou Barbosa.
Advogado de Marcos Valério, o criminalista Marcelo Leonardo limitou-se a dizer
que não tem “nada a declarar” sobre o pedido de delação e o depoimento que seu
cliente teria prestado. Ele confirmou que Valério foi agredido quando esteve
preso em São Paulo.
Fonte: Correio Braziliense
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