segunda-feira, 28 de maio de 2012

Indecência::Ricardo Noblat

"[José Dirceu está] desesperado" (Lula, sobre o estado de ânimo do seu ex-auxiliar)

De duas, uma. Ou Lula ainda está sob o efeito de remédios contra o câncer na laringe, o que compromete seu apurado tino político, ou então se rendeu à certeza de que é mesmo infalível. Para chegar bem ao seu final, a CPI do Cachoeira terá que dar em nada. E o encontro de Lula com o ministro Gilmar Mendes precisará ser esquecido rapidinho.

É improvável que nada produza de relevante a CPI in ventada por Lula para atazanar a vida de seus desafetos ligados a Cachoeira, e retardar o julgamento do mensalão. O que ela produzir poderá significar problema para Dilma. Esta semana, a CPI quebrará o sigilo das contas da Delta, a empreiteira favorita dos políticos que apoiam o governo.

Quanto à memória coletiva, até que comece o julgamento dos mensaleiros em agosto não haverá tempo para que esqueça o encontro de Lula com Gilmar. Ele é simplesmente inesquecível. O celular de Gilmar tocou na última semana de abril último e ele ouviu o convite: "Lula virá aqui no dia 26. Quer conversar com você".

Era Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), onde o mensalão será julgado. O escritório de Jobim funciona no apartamento onde ele mora, em Brasília. "É inconveniente julgar esse processo agora", disse Lula a Gilmar depois dos cumprimentos de praxe. São 36 réus. Lula contou que José Dirceu "está desesperado".

Mensaleiros como José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Duda Mendonça também estão. Foram advertidos por seus advogados sobre a forte possibilidade de serem condenados e presos. "Não tem como adiar o julgamento?", perguntou Lula. "Se for adiado, o Supremo sofrerá um desgaste profundo", argumentou Gilmar.

Foi aí que Lula comentou que tem o controle político da CPI do Cachoeira. E ofereceu proteção a Gilmar. "Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula", revelou Gilmar ao procurador-geral da República, ao advogado-geral da União, ao colega Ayres Britto, presidente do STF, e à "Veja".

O constrangimento de Gilmar não inibiu Lula. "E a viagem a Berlim?", ele perguntou. Corre em Brasília a história de que os casais Gilmar Mendes e Demóstenes Torres teriam viajado para Berlim com as despesas pagas por Cachoeira. Gilmar confirmou a viagem. Mas respondeu que pagara as próprias despesas.

"Viajei com o Demóstenes que eu e o senhor conhecíamos antes", justificou-se. Em seguida, bateu na perna de Lula e aconselhou: "Vá fundo na CPI". Gilmar ainda ouviu Lula dizer que encarregaria Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF, de convencer a ministra Cármen Lúcia a atrasar o julgamento. Pertence indicou Cármen para o STF.

"Vou falar com Pertence para cuidar dela", antecipou Lula, preocupado com a situação de Ricardo Lewandowski, lembrado por dona Marisa para a vaga que hoje ocupa no STF. Amigo da família da ex-primeira-dama, Lewandowski é o ministro encarregado de revisar o processo do mensalão relatado por seu colega Joaquim Barbosa.

"Ele (Lewandowski) só iria apresentar o relatório no semestre que vem, mas está sofrendo muita pressão [para antecipar]", queixou-se Lula. Joaquim Barbosa foi chamado por Lula de "complexado". Lula ainda se referiu a outro ministro — José Dias Toffoli, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil.

"Eu disse a Toffoli que ele tem que participar do julgamento", avançou Lula — para quem o julgamento do mensalão só em 2013 evitaria que ele fosse contaminado por "disputas políticas". O que Lula não disse: nesse caso, os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso estariam aposentados. Os dois devem votar pela condenação de alguns réus.

Gilmar errou ao ir ao encontro de Lula. Ministro pode receber advogados, ouvir seus argumentos, mas é só. Lula acha que o julgamento do mensalão equivale ao julgamento do seu governo - por isso errou gravemente ao pressionar um juiz. Foi indecente e escandaloso o episódio que ele e Gilmar e Jobim protagonizaram.

FONTE: O GLOBO

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