Pelas razões de sempre, e pela falta de outras, o ex-presidente Lula não deixaria passar em branco a comemoração dos dez anos de poder, para dizer o que não disse nas oportunidades perdidas ao longo do caminho. O novo tom foi dado num apelo para o PT recuperar os valores morais “banalizados por conta da disputa eleitoral” ao longo do sinuoso caminho para chegar aonde se estabeleceu. Ainda bem. Uma data redonda é imperdível para produzir efeitos favoráveis à candidata oficial, sem riscos para a alternativa representada pelo terceiro mandato de Lula. Sem perder de vista a oposição, que ainda respira. O estilo é o homem e o homem é Lula.
Os altos valores a que Lula se refere não se adquirem no mercado. A maioria da opinião pública entende que a imoralidade se sente mais à vontade na administração pública. Foi-se o tempo em que o pessoal fazia cerimônia e a opinião pública incomodava. O STF ainda não virou a última página do mensalão e os três dirigentes petistas condenados pela banalidade de praticar o caixa dois mantêm a cabeça sobre os ombros. A sentença moral, por si só, não mostrou eficácia.
Na fartura cromática da variedade brasileira de tendências, à direita e à esquerda, muito mais a esta do que àquela, o verbo banalizar não é o mais apropriado para o que o PT andou fazendo. Pode ser pecado venial, mas pode também ser mortal, eleitoralmente falando, quando a preocupação realmente ética chegar ao poder pela mão da classe média. Pode até ser Pepsi, como diz o anúncio.
“Às vezes – reflete Lula em voz alta – tenho a impressão de que partido político é negócio”. Reflexão óbvia. Partidos, realmente, fazem negócios de altos rendimentos e baixos riscos, e elegem negociantes de baixos impulsos. Não é apenas impressão. Lula falou, está falado. Pode-se ter certeza de que promiscuidade não tem a ver com democracia. As conseqüências também, mas chegam depois.
Não foram poucas as oportunidades eleitorais e as facilidades oferecidas pelo modus operandi que atende, na falta de melhor, pelo nome de coalizão, moralmente elástica. A presidente Dilma considera a coalizão parlamentar a salvação da lavoura. Indispensável à democracia nos momentos de transição. E ressalva que, ao contrário do que se diz, coalizão não é algo “incorreto do ponto de vista político”. Ela não foi mais longe, mas do ponto de vista ético, é uma janela exageradamente larga.
O fato, na falta de um marco moral, é que ninguém pediu exame de sanidade genérica do ex-presidente, depois de ter declarado ao sociólogo e pensador político Emir Sader (no livro sobre os dez anos de governo petista, oito dele e dois de Dilma), que “fazer política com seriedade” é obrigação e não favor.
Não se trata de outro mas do próprio Lula, de volta, versátil e sem apreço pela coerência. A sem-cerimônia o isenta de prestar contas de palavras e atos de que se vale como se acreditasse no que diz. Luiz Inácio Lula da Silva fez uma curva ampla no espaço da candidata que dividia a cena com ele, e não deixou claro o papel que possa vir a desempenhar na peça que, assinada por Pirandelo, não sairia de cartaz. Por enquanto, Lula administra, até pelo telefone, a pesagem das candidaturas que não ajudam nem o petismo e muito menos a social-democracia, na função de empurrar o tempo à frente. Só a candidatura de Dilma Rousseff foi mais ou menos assumida, as demais sequer se confirmam. E uma única andorinha não faz o verão.
Enquanto tudo faz-de-conta, Lula administra pelo telefone a segunda metade do mandato emprestado à presidente Dilma. Para sair do foco de candidato implícito, seu nome não consta mais do elenco das pesquisas. E, para preservar Dilma da indiscrição oposicionista e se beneficiar da coroa de vítima, o ilustre ausente deixou de constar da relação de nomes submetidos ao cidadão distraído, que tem mais a fazer do que falar como alma penada. Trata-se, na verdade, do único candidato que independe do resto. Inclusive da própria eleição. Não demora, voltará a merecer a preferência da maioria pelas razões óbvias, inclusive aquelas das quais a democracia não se livra. As pesquisas, claro.
Lula emprestou a Dilma a preferência e, para ganhar tempo, ou perdê-lo com dignidade, deu uma volta mais longa para poupar a vantagem acumulada. A campanha de Dilma assumiu a operação para submeter os concorrentes dela, não dele, ao desgaste do tempo excessivo para quem tem telhado de vidro. Tratou de tirar a ênfase moral do seu caminho e voltou ao atoleiro daquele leilão de interesses em torno de obras e projetos que são verdadeira mina de ouro. Metaforicamente, claro. E a inflação, saudosa, não se fez esperar. O que não era governo e, muito menos, oposição, se alegra (eleitoralmente falando) ao ver a inflação azucrinar a candidata. O resto pode esperar.
Fonte: Jornal do Brasil
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