Até maio último, o debate nacional parecia restrito aos direitos civis - aborto, direitos da mulher, direito de minoras, casamento de homossexuais - dando a impressão de que o Brasil não tinha mais problemas sociais. O PT parecia ter convencido a sociedade brasileira de que já não tínhamos mais pobreza, milagre das cotas e das bolsas, e que os serviços públicos funcionavam muito bem, que o SUS tinha padrão do primeiro mundo, como disse um dia o ex-presidente Lula. O movimento feminista e as organizações LGBT tomaram conta das redes sociais em defesa dos seus direitos e o deputado Marco Feliciano jogou gasolina na fogueira com o seu discurso medieval na Câmara dos Deputados.
A luta pelos direitos civis - importante e justa - levanta bandeiras clássicas do liberalismo que não abalam as estruturas econômicas e sociais determinantes da pobreza, das desigualdades sociais, dos estrangulamentos econômicos e da ineficiência da gestão pública. A agenda dos direitos civis, em grande parte de natureza moral e comportamental, reflete o interesse direto da classe média e dos segmentos ascendentes da sociedade, e corre ao largo dos graves problemas sociais do Brasil. E em grande parte, nas últimas décadas, as suas demandas e reivindicações têm sido incorporadas nos valores dominantes da sociedade mundo afora, ganhando respeito e quebrando preconceitos.
Mas a agenda dos direitos civis foi atropelada pela rebelião social de junho. Difusa e desorganizada, a explosão de protesto e mobilização da população nas ruas de todo o Brasil atravessou o debate nacional e provocou uma mudança radical no foco das lutas sociais. Não se trata de abandonar outras demandas, mas a agenda agora é outra. Sufocados pela degradação dos serviços públicos e indignados com a mentira dos governos e a corrupção geral no Brasil, milhões de brasileiros invadiram as ruas para exigir investimentos no transporte público, na saúde, na educação e no saneamento, precisamente onde se manifesta de forma aguda a desigualdade social no país. Esta é a agenda que nos indica a rebelião das ruas.
Antes que os políticos e os governantes se recuperassem da surpreendente e inesperada revolta da sociedade, chega o Papa Francisco com um forte discurso político criticando a corrupção e cobrando políticas e investimentos sociais. Evitou falar dos aspectos morais da Igreja católica, provavelmente evitando o confronto com os movimentos dos direitos civis, e quase não utilizou os maçantes sermões e chavões religiosos. O furacão Francisco sacudiu a política brasileira, reforçando e confirmando as bandeiras sociais agitadas pelas gigantescas manifestações de ruas em todo o Brasil que propõem a nova agenda política. A essa nova agenda o Papa Francisco ainda acrescentou outro ingrediente: a critica ao consumismo desenfreado, alimentado no Brasil pelo Governo (símbolo da felicidade nacional), e à patética ostentação de riqueza das classes abastadas e dos novos ricos brasileiros.
Sérgio C. Buarque é economista e consultor
Fonte: Jornal do Commercio (PE
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