Política econômica vai mal, mas piorou antes de a presidente chegar; problema maior vem de fora
É fácil bater na política econômica de Dilma Rousseff, mas é mais difícil atribuir a cavalgada do dólar aos erros da presidente, como o faz com exagero o povo do mercado.
O dólar deve ficar sem freio, aqui e alhures, pelo menos enquanto não se assenta a poeira da mudança da política econômica americana e dos decorrentes e antecipados ajustes de preços no mercado financeiro de lá, o de juros em especial.
O real acompanha passo a passo o movimento de alta de juros no mercado americano. Decerto não há outra moeda relevante que ande assim de mãos dadas com o juro americano. Desde maio, quando começou a reviravolta americana, o real foi a moeda que mais se desvalorizou, entre essas que contam.
Isto posto, é preciso considerar que o Brasil também é o país que tem um dos maiores mercados de especulação com moeda e juros do planeta. É dos que apanha, de resto, porque terá eleição no ano que vem. Mais importante, foi um dos países que mais receberam o dinheiro do "tsunami" monetário americano (aliás, recebia muito capital mesmo antes disso).
O Brasil é também um dos países relevantes em que houve uma das maiores viradas nas contas externas (a diferença entre o que vendemos e compramos do exterior, em bens e serviços).
Tínhamos superavit em meados dos anos 2000, estamos com um deficit bem grandinho e crescendo (em direção a 4% do PIB). Essa virada foi grande porque consumimos demais da conta. Porque consumimos demais já é um assunto mais enrolado, embora em boa parte o tenhamos feito porque, sim, os governos do PT resolveram surfar de modo entre desavisado/ingênuo e oportunista/ignorante na bonança mundial que nos favoreceu entre 2004 e 2010. No entanto, como se vê pelas datas, o problema não vem de hoje.
Assim, colocar a disparada do dólar apenas na conta de Dilma Rousseff é um exagero dos rapazes do mercado, que aproveitam o clima ruim para superfaturar as críticas. Não se trata aqui de defender a política deste governo, mas de lembrar que o nosso buraco é mais embaixo e mais antigo.
Sim, é fato que, em vários emergentes com deficit externos incômodos, a desvalorização anda pela casa de 5% desde maio (o real, com 14%, e a rupia indiana, com uns 11%, se destacam). Ainda assim, nosso histórico de volatilidade é antigo.
Claro que a presidente imaginava (imagina?) que o Brasil cresceria sem mais, bastando jogar lenha na fogueira do consumo e manipular preços, o que evidentemente deteriorou nossa situação. Mas atire a enésima pedra quem for capaz de afirmar que, com um deficit externo e/ou inflação algo menores, o dólar estaria muito mais calminho.
Por outro lado, diga-se que a presidente merecerá colher os louros bichados da derrota que o dólar caro vai nos impor, no curto prazo. A má administração da economia nos deixou com resistência baixa. Inflação e desânimo empresarial tendem a aumentar no curto prazo, ao menos.
Dados os presentes chutes sobre o próximo destino do rendimento dos títulos da dívida americana e "tudo mais constante", o dólar vai passear até R$ 2,50. O caldo engrossou, sim. Vai doer um pouco. Mas, se o governo não inventar moda e não houver acidentes, isso passa. Nossos problemas maiores estão em outro lugar.
Fonte: Folha de S. Paulo
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