O vocábulo "transformismo" foi usado pela primeira vez pelo ativista político Antonio Gramsci para designar o processo de cooptação política de intelectuais de esquerda pelo Estado, decapitando assim os movimentos sociais. Schumpeter também se referiu a esse mesmo processo, quando se reportou a trajetória dos intelectuais pequeno-burgueses que utilizavam a luta pelo socialismo, como via de ascensão social, em contextos sociais de relativa mobilidade social. Foi também o filósofo húngaro Georg Lukacs quem falou em "intimismo à sombra do poder", para analisar os casos de cooptação de intelectuais, em países de capitalismo tardio. No caso do Brasil, a Revolução de 30 é um exemplo conspícuo de cooptação pela Estado varguista de vários intelectuais que estiveram a frente dos movimentos operários e socialistas da Primeira República. Mais recentemente, o governo petista fêz o mesmo com vários quadros do movimento sindical, transformando-os em ministros ou diretores de empresas estatais.
Em Pernambuco, não foi diferente. No âmbito da Universidade Federal de Pernambuco, dominada durante muito tempo por oligarquias familiares, que se perpetuavam nos cargos por vários gerações, seja diretamente ou através de prepostos ou afilhados, eis que com a vitória de um reitor identificado com as idéias da esquerda, vislumbrou-se ma oportunidade de ouro de se interromper o poder dessas dinastias. Qual nao foi, no entanto, a frustração que tomou conta da comunidade universitária, quando se descobriu que os eleitos pela comunidade, ao invés de representar os anseios de professores, servidores e alunos, passaram a representar os interesses e projetos do governo federal.
É o que estamos assistindo nesses dias em Pernambuco. Os sinais da mudança são inequívocos. Primeiro, a privatização do Hospital universitário, através de sua transferência para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSH), manobra destinada a retirar dos ombros da administração pública federal a gestão do Hospital Universitário, minando assim as resistências e lutas da comunidade universitária por um Hospita-escola de qualidade e excelência na prestação de serviços médicos de alta complexidade. Depois de uma ampla e massiva mobilização de médicos, funcionários e alunos, o reitor da UFPE e sua Pro-reitora de Gestão de Pessoal, resolveram dar um fim a esta luta, com a demissão do diretor do HC e nomear um interventor que fará o "serviço" de preparar o hospital para a privatização. Que se cuidem os funcionários e usuários daquele nosocomio; a mudança de gestão terá um forte impacto sobre os regimes de trabalho, carreiras e o direito constitucional da assistência médico-hospitalar. Em breve, veremos o HC cobrando pelos serviços prestados ou estabelecendo uma divisão na qualidade da assitencia médica a ricos e pobres.
É de surpreender como o ex-militante da resistência à Ditadura Militar e ex-diretor do sindicato dos docentes da UFPE tenha se negado a receber o atual diretor da entidade (ADUFEPE) para discutir o assunto, sobretudo, quando se sabe que o referido diretor é membro do partido que se aliou com o reitor, para viabilizar sua eleição na UFPE. Metamorfose exemplar esta: quando era professor e estudante, o pensamento era um; agora investido do cargo de dirigente universitário, a mentalidade é outra. É aquela da submissão à burocracia petista de Brasília. Foi para isso que se organizou a comunidade universitária? - Para ter um gerente de Dilma na UFPE?
Pior de tudo: o convite à Polícia Militar de Pernambuco para vigiar o campus universitário! Pensei que o dever dos dirigentes da UFPE era lutar, como na Ditadura Militar, pela defesa incondicional da autonomia universitária, e não chamar a Polícia da repressão ostensiva aos movimentos sociais, para vir policiar o Campus universitário! Não sabe o reitor que a UFPE está sob jurisdição federal e que só a Polícia Federal, pode coibir os crimes e atentados contra a administração pública. Não sabe ele que essa corporação militar é uma sobrevivência da Ditadura Militar, que já devia ter se acabado há muito tempo? - Pois é. por tudo isso, é muito estranho que se leve para o seio da comunidade acadêmica uma força repressiva, destinada a cometer inúmeros abusos de autoridade (?), como aliás já aconteceu na mesma UFPE.
O reitor da UFPE deve estar recebendo lições do governador do estado, a quem atendeu a solicitação de suspender aulas durante a realização da Copa da Confederações, cedendo o campus para estacionamento dos veículos que trariam os torcedores para a chamada "Arena de Pernambuco". O mandatário político também transferiu a gestão da saúde para o Terceiro Setor (incluindo os hospitais e UPAS) e costuma usar a Polícia Militar para reprimir manifestações de protesto dos estudantes. É lamentável que, num estado governado por uma oligarquia familiar, um dos poucos redutos da consciência crítica da sociedade venha se transformar em linha auxiliar de um modelo de gestão pouco republicano e destinado a produzir muitas injustiças sociais.
Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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