Com os pontos recuperados na pesquisa Datafolha, na aprovação ao governo e nas intenções de voto, a presidente Dilma Rousseff estará mais fortalecida nas negociações com o Congresso sobre a agenda complexa do momento. Se não voltar ao salto alto, pode avançar no essencial, a recomposição de sua base de apoio. A recuperação não deve bastar, entretanto, para evitar a aprovação, pela Câmara, da emenda constitucional que torna compulsória a liberação das emendas parlamentares ao Orçamento. A maioria parece decidida, mas essa mudança é grave demais para ser aprovada na base da pirraça à presidente. Com perdão da paráfrase, a emenda (constitucional) pode piorar o soneto. E isso já não é dito só pelos governistas e auxiliares da presidente. O líder municipalista Paulo Ziulkoski teme que o mecanismo aumente a discriminação entre os municípios. O deputado Márcio França, do PSB, prevê o surgimento de enorme aparato burocrático para gerir as liberações.
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios constatou que, do total de 5.568, apenas 1,2 mil municípios receberam, nos últimos 10 anos, algum dinheiro originário de emendas parlamentares, sendo que 629 cidades nem foram objeto de qualquer proposta. Em média, foram liberados 16,9% das emendas anualmente. Melhor seria para o país, diz Ziulkoski, que preside a entidade, se os recursos reservados para as emendas fossem destinados diretamente aos municípios, através de um fundo especial, com carimbo do setor em que seriam aplicados. Como cada congressista pode alocar até R$ 15 milhões em obras e projetos, o valor global chegaria, hoje, a R$ 8,9 bilhões.
Proposta semelhante é defendida pelo deputado Marcio França, por motivos diferentes. Hoje, embora o percentual de liberações nunca ultrapasse os 25% das emendas, os procedimentos técnicos e burocráticos já envolvem quase 10 mil funcionários, nas três esferas da Federação. Os recursos das emendas só podem ser transferidos depois da assinatura de um convênio, que vem a ser o instrumento jurídico de mais complexa tramitação e gestão da execução. “O que se gasta com esta burocracia equivale a boa parte dos recursos movimentados. Com a liberação impositiva, imagine-se o tamanho do aparato burocrático e o custo de sua manutenção.” O que ele sugere é que cada deputado possa destinar os valores correspondentes às suas emendas ao FPM, com clara identificação dos municípios e dos setores beneficiados. Mas, se é para saúde, por exemplo, caberá ao prefeito decidir se fará um posto ou comprará uma ambulância, segundo suas necessidades.
Essas e outras fórmulas alternativas resolveriam alguns problemas. Não deve mesmo o governo fazer uso das emendas para premiar aliados e punir adversários, no conhecido toma lá, dá cá. Mas não pode também o Legislativo impor a liberação, independentemente do estado das contas públicas. Quem deve zelar por elas é o Executivo. Outra forma de destinação e transferência propiciaria também melhor fiscalização, livrando prefeitos e parlamentares das recorrentes suspeitas de corrupção no trato das emendas.
Afora esse tema espinhoso, e vencida a tentação do salto alto, Dilma já pode mesmo exibir a velha desenvoltura. Pois se não recuperou tudo o que tinha, os adversários também não avançaram. Exceto Marina Silva, que corre contra o tempo para viabilizar seu partido.
Sugestões ao Leão
Na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, dois projetos polêmicos relacionados ao Imposto de Renda. Um, do senador Neuto do Couto, diz respeito às famílias e parece razoável. Eleva de 21 para 28 anos a idade para permanência dos filhos como dependentes. Há quem diga que hoje a adolescência termina aos 30 anos. Na classe média, os filhos se formam, vão fazer pós-graduação e só depois ingressam no mercado de trabalho.
O outro, de Cristovam Buarque, levantará poeira. Sugere que todos os ocupantes de cargos eletivos tenham suas declarações anuais de rendimento submetidas à malha fina da Receita. Os que lidam com dinheiro público devem ser mais fiscalizados, diz Cristovam. O senador Francisco Dornelles, sem dúvida a maior autoridade em questões tributárias no Congresso, diz que a proposta é inconstitucional, por reservar aos agentes públicos tratamento tributário desigual em relação aos demais contribuintes.
Prova para os médicos
Com o aumento da aprovação popular ao Programa Mais Médicos, também detectado pelo Datafolha, a Comissão Mista Especial do Congresso encarregada de examinar a medida provisória que trata do assunto já não fala em rejeitá-la. Mas um ponto ainda vai dar pano para mangas ali. O vice-presidente da comissão, deputado Francisco Escórcio, diz ter constatado, junto a seus parentes, a disposição para impor aos médicos estrangeiros alguma forma mais rígida de avaliação. Ou o exame Revalida, do MEC, ou alguma prova específica. O governo é contra. Acha que isso atrasaria demais as contratações e a produção de resultados em favor da saúde.
Ecos da travessia
Aqueles que, como eu, não puderam ler todos os capítulos de A História de Mora, publicados por O Globo, poderão ler agora, em livro, a biografia romanceada de Ulysses Guimarães, que o jornalista Jorge Bastos Moreno lança amanhã em Brasília, na livraria Saraiva do Pátio Brasil. Ele faz de Mora, mulher de Ulysses, uma narradora sagaz e espirituosa. Os que viveram a travessia da noite da ditadura terão muito a recordar. Os que nasceram na democracia, muito a aprender, especialmente sobre aquele que foi o grande timoneiro.
Fonte: Correio Braziliense
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