terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um livro inquietante - Octaciano Nogueira

Publicado pela Editora Objetiva em 2012, o livro de Carlos Heitor Cony JK e a ditadura, dividido em 12 capítulos e 238 páginas, é uma obra desafiadora e inquietante para não ser esquecida pelos que viveram a era JK, e útil para os que não tiveram a oportunidade de desfrutá-la. Trata-se de um período não só correspondente à fundação de Brasília, mas também à Presidência de Juscelino (1956-1961) e os episódios que se seguiram à sua sucessão, até a morte, em 1976.

O livro descreve, com indiscutível equilíbrio, uma longa e angustiante fase da vida política do país, que inclui o advento do regime militar, com a sucessão dos cinco militares que ocuparam o poder — Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Figueiredo — e dos cinco atos institucionais que enodoaram o próprio sistema jurídico do país. O texto que precede o “Capítulo 1 — O sucessor, sem sucesso”, refere-se a Jânio Quadros, que, eleito pelo voto popular, renunciou ao mandato depois de sete meses de governo, e registra a utilização do recurso ilusório da adoção do parlamentarismo que não vingou, tornando-se um precedente hoje esquecido na conturbada evolução de nosso sistema político.

Dessa fase angustiante, segue-se no capítulo 8 o título “Mil dias de exílio”, em que o autor transcreve o texto em que, indagado por que motivo se ausentara do país, naquela fase aguda de nossa vida política, Juscelino explicou: “Respondo com uma pergunta. Se a minoria política constituída por meus adversários, pressionava o governo, a ponto de compeli-lo a praticar o ato de minha cassação, com que garantias poderia eu contar, depois do esbulho em que nem sequer me foi facultado o direito de defesa? Saí do Brasil como um protesto em face do mundo, e, também, por não encontrar ambiente de segurança que me permitisse defender-me das calúnias e infâmias, distribuídas à larga contra mim”.

Há uma parte do livro em que Carlos Heitor Cony reproduz o que JK escreveu a um amigo, quando se encontrava envolvido no cipoal de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) abertos contra ele:

— Eu estava engasgado pelo exílio. Fiz as malas sem esquecer das recomendações dos amigos que me pediam prudência, que ficasse mais uns dias em Paris, esperando o desenrolar dos acontecimentos. Mas eu vivia um drama pessoal. A possibilidade de passar um novo inverno no exílio era apavorante. Eu nunca sentira o terror antes. Em nenhuma situação de minha vida fui assaltado por esse sentimento, que é pior que o medo, mais devastador que o pânico. Era o terror mesmo. A alternativa que tinha, então, era voltar e ficar — e, se ficasse, dificilmente eu dominaria esse terror que se apossara de mim. Sou um homem de fé, católico praticante. Dei provas inúmeras vezes, de coragem pessoal e moral. Mas naquele momento eu não teria forças para vencer o drama que vivia. Era voltar ao Brasil, ou meter uma bala no peito.

A década de 60 do século 20 foi, sem dúvida, um período de inquietações e incertezas. Sucessor de JK, Jânio Quadros, eleito em 1960, tinha como símbolo uma vassoura que, segundo ele, serviria para varrer a corrupção no Brasil. Seu período de governo deveria ter ido de 31 de janeiro de 1961, data da posse, até 31 de janeiro de 1966; o vice-presidente era João Goulart. Como era de se esperar, porém, Jânio renunciou ao fim de sete meses de governo, por meio de mensagem enviada ao Congresso que, por sua redação, mais parecia um dos muitos bilhetinhos com que aterrorizava o próprio ministério: “Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25-8-1961”.

Os anos que antecederam e que sucederam ao gesto insólito do único presidente que renunciou ao mandato são, sem dúvida, momentos de inquietação que melhor teria sido esquecer, já que o país viveu o golpe militar de 1964 e o período seguinte, ocupado pelos cinco generais. Gesto mais insólito na política brasileira, só o suicídio de Getúlio Vargas, o brasileiro que durante nada menos de 15 anos dirigiu os destinos do Brasil.

O livro de Carlos Heitor Cony sobre Juscelino alude à Comissão Externa da Câmara criada para esclarecer a morte do ex-presidente, em depoimento perante a qual o governador Miguel Arraes terminou com uma afirmação categórica: “JK foi assassinado”.

Historiador e cientista político

Fonte: Correio Braziliense

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