O desafio não poderá ser resolvido por uma presidente só e solitária. Ele apenas será equacionado com diálogo entre correntes diversas
"Só o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém sua força porque mantém sua medida humana. Em mim só manda um rei: o que constrói pontes e destrói muralhas." (Sófocles)
Assim como a liberdade exige as ruas e as praças, a política exige o diálogo. Falamos aqui do diálogo de verdade, da vontade de buscar entendimentos, não de proselitismos ou de persuasões maliciosas.
A máquina de comunicação do governo federal, com farto dispêndio de recursos públicos, não pode ser entendida como esforço de diálogo algum, pois não cultiva a capacidade rara de ouvir.
Quando muito, constitui um martelar de ideias prontas e respostas fechadas: o sectarismo ideológico em forma de propaganda. Onde abunda o marketing insensível (pois existe o bom marketing), falta diálogo franco, aberto e desarmado.
Os problemas do Brasil não serão sanados com platitudes publicitárias. Menos ainda com dramatizações em defesa de um governo que, de resto, ninguém quer derrubar.
As regras do jogo não estão ameaçadas. Portanto, uma retórica sofismática e emocional em torno de reconhecidas conquistas não faz sentido. Os dotes de comunicador popular que sobram em Lula e que faltam impiedosamente em Dilma já não dão conta do recado e soam insinceros: o buraco é mais embaixo e a saída se dará pelo alto.
Não obstante, foi nos fármacos da marquetagem que a presidente da República buscou remédio para sua primeira reação às manifestações de junho. Recapitulemos. As ruas expressaram um descontentamento amplo e profundo com a ineficiência do Estado brasileiro. De início, a máquina pública se refugiou na indiferença burocrática. Depois, as autoridades, a presidencial e outras, foram se arriscar na linguagem do espetáculo. Deu errado.
O pronunciamento da presidente, tentativa de jogar para a plateia, não funcionou. Prometeu realizar, sem a participação do Congresso, uma reforma política. Apostou tudo numa saída quase mágica: um discurso fatal, uma bala de prata da oratória.
Não deu certo, claro. Faltaram-lhe o engenho, a arte, o diálogo. Não apenas com manifestantes, mas com partidos e instituições; diálogo com a sociedade civil, seja ela organizada em moldes tradicionais, seja com novos atores.
Ir à TV não basta, mostrou o malogrado discurso presidencial. Sem querer, Dilma assumiu a responsabilidade não apenas pelo quinhão de crise que lhe cabia, mas por várias outras crises que não eram da sua esfera. Inadvertidamente, adotou uma postura autocrática, centralizadora, quase bonapartista.
O que conseguiu foi ferir o brio do Congresso Nacional. Não que parlamentares e partidos estejam isentos de responsabilidades. Todos, ou quase todos, são responsáveis ou cúmplices, mas o desprezo pela institucionalidade e a falta de interlocução com a sociedade não nos conduzirão a bom termo.
O monólogo pode degradar em solilóquio. O desafio tem isso de fascinante: não poderá ser resolvido por um lado só, por um só partido, por uma presidente só e solitária. Ou será equacionado com diálogo entre correntes diversas, com vistas ao aprimoramento institucional, ou não será vencido. A polarização do debate deu seus cachos, mas já cansou.
O país precisa de pontes, não de muralhas. Precisa de denominadores comuns, mais do que de confrontos; conversas de boa-fé, não ameaças. Posições ideológicas diferentes não precisam buscar a eliminação uma da outra. Podem encontrar caminhos comuns para o estabelecimento de uma agenda nova, comprometida com uma democracia mais inclusiva e próspera.
Não precisamos ir longe: este artigo só foi possível graças ao diálogo entre pontos de vista distintos.
Diálogo não arranca pedaço. Numa escala maior, poderia render benefícios muito mais duradouros ao país e à nossa gente.
Carlos Melo, 48, cientista político, é professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
Eugênio Bucci, 54, jornalista, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
Fonte: Folha de S. Paulo
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