terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quem precisa de reforma política? - Paulo G. M. de Moura

Se todos são a favor da reforma política, por que ela não é feita? Simples: quem quer mudar as regras do jogo deseja alterar o resultado do jogo. Se os parlamentares que deveriam votar essa reforma se elegeram com as regras que estão aí, por que quereriam mudá-las?

A construção de consensos quanto às regras de acesso e distribuição do poder é difícil. O consenso que instaurou a ordem política em vigor foi construído na Constituinte de 1988, que não foi exclusiva - isto é, os próprios parlamentares a votaram. Mudá-lo não é tarefa simples. Muito menos é algo que se consiga às pressas.

A lógica que orientou a legislação vigente visava a construir condições de governabilidade. Uma das explicações para o golpe militar de 1964, mais do que conter a ameaça comunista, foi o impasse paralisante no Parlamento. A fragmentação dos partidos e o veto das minorias impedia o governo de governar. Por isso a Constituinte previa a implantação do parlamentarismo. Mas o povo vetou esse projeto no plebiscito de 1993.

Existem vários sistemas eleitorais, todos com vantagens e desvantagens. Apesar das especificidades que marcam cada um deles, há uma clivagem central que diferencia os regimes de tipo consensual dos regimes de tipo majoritário.

O sistema majoritário (Inglaterra) baseia-se no predomínio da maioria sobre a minoria e minimiza abusca da maioria qualificada. Nesse sistema quem ganha leva tudo e o poder das minorias fica limitado à tentativa de vetar as decisões da maioria.

No sistema consensual (Brasil) ocorre o contrário, ou seja, as regras induzem a busca do consenso envolvendo uma complexa engenharia de construção de maiorias. A lógica é da ampla participação dos partidos na coalizão de governo para construção do mínimo denominador comum possível em tomo dos objetivos que devem ser perseguidos pelo Executivo.

A literatura sobre o tema sugere que o sistema majoritário se adapta mais a nações com menor clivagem social - baixa diversidade e baixo nível de conflitos regionais, culturais, religiosos, étnicos ou de outra natureza. Isso porque alógica da imposição da maioria ante a minoria em sociedades com alta diversidade tenderia a acirrar conflitos e desestabilizar a democracia.

Convém observar que boa parte dos países que adotam o sistema majoritário é parlamentarista. Nesses regimes a escolha do Gabinete de governo cabe apenas ao partido que elegeu a maioria. O povo vota nos parlamentares e o partido majoritário "escolhe" o Gabinete e o primeiro-ministro. A lógica do sistema majoritário tende a prejudicar os pequenos partidos e a organizar a disputa pelo governo em tomo de duas ou três grandes legendas que conseguem montar estruturas em todos os distritos eleitorais.

Já o sistema consensual se adapta a nações com maiores diversidade e clivagens sociais. A necessidade de compor maioria exerce interessante coerção sobre a lógica desse sistema: para compor maioria eleitoral ou coalizões de governo os partidos são forçados a abandonar projetos radicais para construir os consensos possíveis. O mérito desse sistema, portanto, Consiste na contenção dos extremos.

A adoção do sistema majoritário num país de tradição autoritária como o Brasil, ou mesmo a adoção de regras eleitorais que assegurem maioria parlamentar a um partido político apenas, dispensando-o de negociar as bases da coalizão de governo, deveria levar instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, a refletir seriamente antes de embarcarem em aventuras institucionais como a mudança das regras eleitorais às pressas, na véspera de uma eleição.

O projeto ideológico do PT para a sociedade brasileira é um projeto radical, de cunho socialista, que não se esgota nos limites das políticas públicas do governo Dilma Rousseff. Sua estratégia de implantação é gradualista. Observe-se a lenta substituição dos fundamentos do Plano Real pela política econômica atual, ao longo dos três mandatos presidenciais petistas, por exemplo. O próximo passo do roteiro estratégico petista seria a conquista da hegemonia no Parlamento, com o deslocamento do PMDB de sua posição atual na coalização governista para uma posição subalterna. Com o PMDB menor e a bancada petista, aliada a outros partidos de esquerda, maior, o PT almeja o controle do Congresso para fazer a "revolução" por meio da aprovação de novas leis de cunho socializante. Dentre elas, leis eleitorais e sobre a ordem política que assegurem sua perpetuação no poder e a eliminação dos adversários.

A marca PT é top of mind entre os eleitores brasileiros. Logo, a aprovação do voto em lista levaria ao aumento da bancada petista. O critério de distribuição do fundo público de financiamento eleitoral, obedecendo à mesma lógica da distribuição do tempo do horário eleitoral gratuito, favoreceria os partidos com maior bancada, enchendo os cofres do PT e esvaziando os de seus concorrentes.

Chegamos, então, às razões do impasse político atual. O PMDB e o PSB perceberam qual seria seu destino em caso de vitória da estratégia hegemonista do PT e acionaram os mecanismos de freios e contrapesos do regime consensual vigente. Isso ocorreu antes mesmo de as manifestações populares de junho evidenciarem o fracasso das políticas públicas petistas, notadamente da política econômica.

Isso significa que o sistema político e eleitoral vigente não precisa ser aperfeiçoado? Não. Mas um dos pressupostos da democracia é o respeito às regras do jogo. Não há tempo hábil para mudar essas regras sem violentar o calendário eleitoral, apenas para atender a uma demanda de um jogador. Avoz das ruas pede mudanças e o caminho das mudanças, na democracia, é a uma. Essa é a razão da pressa de quem quer mudar as regras antes de o povo começar a mudar o País nas umas de 2014.

*Cientista político, é coordenador do Curso de Ciências Sociais da Universidade Luterana do Brasil.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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