Por Caio Junqueira
BRASÍLIA - Em menos de seis meses de "gestão" no Congresso Nacional, o PMDB foi mais eficaz em cumprir suas promessas de campanha do que o aliado PT em mais de dez anos no Palácio do Planalto. Mas fez mais do que isso. Ao tirar do papel as novas regras para análise de vetos presidenciais, já em prática, e o orçamento impositivo, em vias de ser aprovado, o partido mais congressual do país deu todos os ingredientes para uma nova modelagem do presidencialismo de coalizão.
Ambos fizeram o que todos os presidentes anteriores das duas Casas pensaram, quiseram ou foram tentados a fazer desde a redemocratização, mas que por subserviência ao Palácio do Planalto ou por uma estratégia de se cacifar vendendo dificuldades para comprar facilidades aos governos, nunca colocaram em prática.
Basta ver quem foi o autor de uma das propostas de emenda constitucional (PEC) de orçamento impositivo que já tramitaram no Legislativo: o ex-presidente do Congresso Antonio Carlos Magalhães, do PFL (atual DEM), morto em 2007 e um dos homens mais poderosos do país à sua época. Ele a apresentou em 2000, na condição de presidente do Senado e em retaliação ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Entendeu-se depois com o governo e não colocou seu peso político para aprová-la.
O que acontece agora é exatamente o contrário. O PMDB não se entende com o governo e coloca sua força política para aprovar a PEC. Conta para isso com uma presidente que só agora acordou para constatar que a política é uma ciência muito mais necessária para a governabilidade do que as pesquisas dos marqueteiros.
A tese do orçamento impositivo já era bandeira de campanha de Henrique Alves (PMDB-RN) desde o início da atual legislatura, quando seu nome já era dado como certo para substituir Marco Maia (PT-RS) na presidência da Câmara. Visava, claro, um discurso eficaz para se eleger presidente, mas também embutia a sensação de desprezo com que a base se sentia pelo modo como o Palácio a tratava. De lá para cá, isso só se intensificou, tanto quanto a sensação de que, sob este governo, o sistema político tem muito de presidencialismo e pouco de coalizão.
A um ano do período eleitoral, deputados da base se preocupam com suas reeleições em meio a previsões de que o movimento iniciado com as ruas em junho resultará em uma taxa de renovação recorde do Congresso. A preocupação se mistura com revolta quando veem o PT, mesmo diante desse cenário externo, estabelecer como meta eleger mais de cem deputados federais. Contando, para tanto, com o apoio de recursos federais em inaugurações de obras para as quais a base não é convidada sequer para ajudar a cortar a fita. Com a eventual aprovação do orçamento impositivo, esse modelo é colocado em xeque. Algo bem medido pelos epítetos com que o assunto é tratado pelos deputados: "carta de alforria", "Lei Áurea", "declaração de independência" e "libertação".
É por essa razão que a sinalização de uma mudança de comportamento em relação à base, dada por Dilma na segunda-feira em reunião com deputados, por ora não foi suficiente para impedir o avanço da proposta na Câmara. O encontro ocorreu tardiamente, já na metade do segundo tempo do governo. E o Congresso sente que na primeira metade foi tamanho o desprezo da presidente pelo Legislativo que há muita gordura ainda a ser queimada e orientações a não serem seguidas pelos aliados nas votações. Tudo um pouco mais brando, é verdade, do que o primeiro semestre. Mas está evidente que assim será pelo menos até o final do ano, quando o cenário eleitoral estará mais definido. Se Dilma mantiver a promessa de diálogo e recuperar popularidade, poderá reaglutinar a base. Caso contrário, a debandada será geral em 2014. Com a diferença de que os deputados poderão ter caixa garantido para suas bases.
Isso, claro, se a PEC passar no Senado. Nesse redesenho das estruturas do presidencialismo de coalizão, é nítido que Renan foi determinante na análise dos vetos, mas não na mesma medida com que Henrique Alves coloca a aprovação da PEC como razão de ser dos seus 42 anos de mandato.
O deputado se envolve de maneira atípica para um presidente da Câmara. Frequentou reuniões nas comissões especiais. Da sua cadeira na Mesa Diretora, discursou ao plenário pedindo celeridade na tramitação. Alvo de críticas dos seus pares por ceder em excesso a pressões externas e, em razão disso, recuar muito de decisões já tomadas, Alves quer recuperar não somente a confiança da Casa, mas também da sua bancada, cada vez mais deslumbrada com a atuação do líder Eduardo Cunha (RJ). Quer, afinal, fazer da PEC a marca do seu mandato e se cacifar para sua reeleição ao cargo. É dos pouquíssimos ali que estão mais preocupados com 2015 do que com 2014.
Fonte: Valor Econômico
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