Outro dia escrevi aqui na coluna, a propósito das investigações sobre a formação de um cartel de empresas estrangeiras na construção do metrô paulista, que "o pior dos mundos para a democracia seria se ficar provado o que os petistas chapa-branca já dão como certo nos blogs e noticiários oficiais: que o esquema seria uma espécie de irrigação permanente de dinheiro ilegal para as campanhas eleitorais dos tucanos desde o governo Covas".
Foi o que bastou para que esses mesmos pseudojornalistas a serviço do governo petista distorcessem minhas palavras, atribuindo a mim a tese de que as acusações contra o PT são boas para a democracia, e as contra o PSDB seriam prejudiciais.
Para um leitor de boa-fé está claro que não tratava da corrupção em si, mas da maneira como ela fora praticada. Uma coisa são casos de corrupção de agentes políticos isolados, que acontecem em todos os países, outra bem diferente é a organização política se transformar em criminosa para garantir recursos ilegais para a manutenção do poder.
A ação individual de um político desonesto é menos danosa para a democracia do que a de um grupo político organizado, que se utiliza dos esquemas de poder a que chegou pelo voto para se eternizar nele. Foi o que aconteceu justamente no mensalão do PT. Se as investigações do caso Siemens em São Paulo levarem à conclusão de que o PSDB montou um projeto de poder em São Paulo desde o governo Covas, passando por Geraldo Alckmin e José Serra, financiado pelo desvio de verbas públicas, estaremos diante de uma manipulação política com o mesmo significado, embora com alcance regional, enquanto o mensalão tentou manipular nada menos que o Congresso Nacional.
Na definição do ex-presidente do Supremo, Ayres Britto, no julgamento do mensalão, "(&) sob a inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi feito, não um projeto de governo, que é exposto em praça pública, mas um projeto de poder que vai além de um quadriênio quadruplicado. É um projeto que também é golpe no conteúdo da democracia, o republicanismo, que postula a renovação dos quadros de dirigentes e equiparação das armas com que se disputa a preferência dos votos".
Segundo outro ministro do STF, o decano Celso de Mello, "há políticos, governantes e legisladores que corrompem o poder do Estado, exercendo sobre ele ação moralmente deletéria, juridicamente criminosa e politicamente dissolvente".
Não há nada, no entanto, até agora, que aponte para um esquema dessa envergadura, pelo menos na parte da documentação do processo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a que tive acesso. Há, aliás, indicações claras de que o acordo de leniência entre a Siemens e o Cade se destinava a investigar as ações daquela empresa na formação de cartel "no Brasil" todo.
Não há explicações para o fato de a investigação estar limitada a São Paulo e ao Distrito Federal, quando os diretores da Siemens citam contratos de trem e metrô em sete estados. Em cinco deles, a empresa responsável é a estatal federal Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). São citados contratos da CBTU que foram vítimas do cartel em Salvador, Recife, Fortaleza, Porto Alegre e Belo Horizonte.
O PSDB considera que ao escolher dois estados governados por partidos de oposição (PSDB em São Paulo e DEM no Distrito Federal na época) para investigar, o Cade assumiu um viés político. Outro fato importante é que pessoas que tiveram acesso às mais de 1.500 páginas do inquérito garantem que os documentos, depoimentos e trocas de e-mails de executivos da Siemens em poder do Cade não citam uma única vez o PSDB e o governador Geraldo Alckmin.
Os delatores premiados da empresa também não citam nominalmente em nenhum momento os funcionários públicos da CPTM ou do metrô como praticantes de atos ilícitos como recebimento de propinas e comissões em licitações públicas. Como o Cade cuida apenas da parte referente à tentativa de neutralizar a competição nas licitações públicas, outras investigações do Ministério Público e da Polícia Federal revelarão mais detalhes da formação do cartel, que a Siemens praticou em mais de uma centena de países.
Fonte: O Globo
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