O discurso do representante do Brasil na abertura da Assembleia Geral da ONU, prerrogativa nacional desde 1966, é a digital brasileira na ordem mundial.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva valeu-se da tradição para receitar o Bolsa Família à fome do mundo. No ano em que o Lehman Brothers deu início à quebradeira planetária, montou o discurso, mantido em sua carreira de palestrante internacional, de que a porta de saída para a crise está na política.
No seu primeiro pronunciamento naquele plenário, a presidente Dilma Rousseff reivindicou a primazia de primeira mulher a abrir a assembleia e evocou duas palavras femininas, coragem e sinceridade, para retomar o tema da regulação das finanças mundiais.
Discurso de Dilma na ONU tem ambição pedregosa
Na próxima semana a presidente volta à ONU para missão igualmente espinhosa. Já anunciou que tratará da espionagem americana. Houve quem advogasse que o discurso, feito nos aposentos do anfitrião, seria uma resposta mais efetiva à bisbilhotagem americana do que o cancelamento da visita de Estado.
Dar o recado num organismo multilateral e aguardar as providências da Casa Branca é uma saída hábil, mas pedregosa.
Dilma cobrou regulação das finanças mundiais num momento em que o Brasil, com o sistema bancário normatizado desde os anos 1990, enfrentava a desindexação da poupança e a redução da Selic. A curva dos juros desde então mostrou o quanto é difícil fazer a lição de casa num bote salva-vidas que navega sem instrumentos.
O tema da espionagem é uma rota ainda mais desconhecida para o Brasil. O governo que deve cobrar controles democráticos mundiais para a circulação de informações no planeta engatinha na gestão dos seus.
Desde o século passado, com a difusão da internet, sabe-se que a guerra do futuro não tem fronteiras e custa a identificar o inimigo. Mas foi apenas em 2010 que o Brasil criou o Centro de Defesa Cibernética. Sob o guarda-chuva do Exército, o centro tem 50 civis e militares dedicados a desenvolver tecnologia capaz de proteger suas redes militares, governamentais e privadas. Ainda não conseguiu convencer nem os governantes brasileiros a usar emails criptografados. Todo código pode ser quebrado. Tudo depende de quanto se possa investir.
Coordenador de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco e ex-assessor do Ministério da Defesa, Gunther Rudzit credita à geração que combateu a ditadura a resistência a políticas de inteligência.
Foi atrás da execução orçamentária do centro de defesa cibernética e descobriu que, dos R$ 90 milhões inicialmente previstos para este ano, apenas R$ 54 milhões foram gastos. Nos Estados Unidos, nas contas de Rudzit, a comunidade de informações reúne 107 mil pessoas e consome por ano R$ 52 bilhoes.
Esse monte de gente e dinheiro não conseguiu impedir que dois boeings fossem arremessados contra as duas torres mais altas do país. E mais gente e dinheiro foram investidos para terminar de romper de uma vez por todas as fronteiras sempre fluidas da informação.
Graças aos refugiados da guerra cibernética, sabe-se que a Agência Nacional de Segurança (NSA) entra sem cerimônia nos dados armazenados pelas empresas de comunicação instaladas no país por onde passam 80% do fluxo de internet do mundo.
A missão espinhosa de Dilma na ONU é parecer convincente na cobrança de que a governança mundial algum dia abra a caixa preta de empresas de comunicação eletrônica e imponha limites ao acesso de agências oficiais de espionagem.
Dez anos atrás a ONU abrigou a primeira cúpula mundial para discutir a sociedade de informações que esbarra até hoje na criação de uma governança global da internet.
As dificuldades de a presidente obter qualquer êxito em congregar interesses com seu discurso não autoriza a interpretação de que faz bravata para eleitor ver.
É óbvio que todo governante que age por mandato precisa ser chancelado em suas ações. Mas a aprovação é decorrência.
No mesmo dia em que se anunciava o cancelamento da visita, o empresário de maior interlocução no governo, Jorge Gerdau Johannpeter dizia que o principal motivo do fracasso no leilão da BR 262 foi o risco político. A imagem do Brasil frente a investidores passa por um momento sensível demais para que uma decisão como o cancelamento da única visita de Estado do ano aos Estados Unidos pudesse ter sido tomada com norte eleitoral.
A questão não é convencer os brasileiros que a Petrobras não pode ser submetida à mesma espionagem que americanos compradores de panela de pressão. Com isso todo mundo concorda.
Mais difícil é convencer uma comunidade internacional que, em maior ou menor grau, se vale de espionagem, que o aumento da segurança nas redes de informação não deve diminuir a dos cidadãos.
O novo ordenamento jurídico que está em curso na comunidade europeia ou o marco civil da internet brasileira serão limitados por suas fronteiras. A internet permitiu a jovens do mundo inteiro construir ágoras virtuais e varrer o mundo com protestos contra a ordem. As empresas que abrigam essas redes expandem seus negócios curvando-se a doutrinas de segurança nacional. Mercados mais regulados vão depender de Estados dispostos a rever suas doutrinas. Vai exigir coragem e muito mais sinceridade.
Veio de um argentino a melhor notícia para a disputa presidencial de 2014, a declaração do papa Francisco de que a igreja é obcecada com gays, aborto e concepção. É um prenúncio muito diverso das trevas que encerraram o segundo turno de 2010 quando Ratzinger fez uma declaração condenatória de candidatos que defendessem a descriminalização do aborto. Candidatos podem até continuar com suas obsessões, mas talvez duvidem da conveniência de comungá-las com o eleitor.
Fonte: Valor Econômico
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