Mantendo-se a atual estrutura partidária, o financiamento público de eleições só tornará oficial o desmando, porque os dirigentes tudo controlam
Muito já foi dito sobre a reforma política, mas sem que fossem prescritas mudanças substantivas nas direções partidárias. Vários estudos acadêmicos surgiram nos últimos tempos, mas entre eles e os operadores do Estado há um abismo.
A mudança é impossível sem que as agremiações sejam democratizadas. As pequenas pertencem a dirigentes que nelas tudo controlam, dos recursos financeiros às candidaturas, destas às alianças e aos acertos para obtenção de cargos etc.
As grandes são dilaceradas por setores oligárquicos em luta pelo controle de mecanismos que adquiriram, sobretudo no século 20, a forma da burocracia.
Nada que não tenha sido proposto por Max Weber e Robert Michels, ou aprofundado em pesquisas brasileiras. Recordo, entre vários, o texto de Maria do Socorro Sousa Braga, "Democracia e organização nos partidos políticos: revisitando os microfundamentos de Michels" (disponível no site Scielo).
Vale recordar a tese de Michels citada por Sousa Braga. "A lei sociológica fundamental que rege inelutavelmente os partidos políticos pode ser assim formulada: a organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que delegam. Quem diz organização diz oligarquia."
Pouco difere a tese daquela exposta por Weber sobre a origem das igrejas: a democracia direta, quando os crentes enfrentaram a concorrência do mundo externo e acolheram neófitos, transforma-se em máquina hierárquica.
Também partidos rigoristas em termos éticos, a ponto de traduzir lutas políticas em quiliásticas cruzadas morais, crescem e tombam sob ordens burocráticas, assumem a retórica do realismo. Eles são amestrados por oligarcas dos partidos mais antigos. O mesmo ocorre com os seus intelectuais que nunca desprezam assessorias ou empregos em universidades, nacionais e estrangeiras, proporcionados pela obediência aos líderes.
Tucanos e petistas não escaparam dessa lógica e perderam o ímpeto fundador. A disputa no primeiro dá-se entre quatro nomes. No segundo, mandam lideranças regionais, submetidas a uma só personalidade. Algo similar ocorre com os ecologistas que hoje armam redes para futuras façanhas... realistas.
Em nenhum partido nacional predomina o eleitor. Este não é consultado quando se trata de redigir programas (enfeites para a Justiça Eleitoral), traçar estratégias e táticas, planejar alianças, escolher candidatos, aplicar recursos financeiros oficiais, idear a propaganda etc.
Entre os filiados e as urnas se instala o tecido oligárquico, complexa máquina de controle. Que outra coisa seriam os "assessores" dos gabinetes, senão cabos eleitorais pagos pelo contribuinte? Eles repassam ordens às bases, agem como funcionários informais dos políticos.
E quanto ao tempo de permanência dos dirigentes nos cargos partidários? Existem pessoas que mandam em partidos, incontestes, há dezenas de anos. Elas dominam os segredos da agremiação, dos nomes aos recursos, das salas ministeriais aos "doadores" de campanha.
O financiamento público das eleições, mantendo-se tal estrutura de poder partidário, só tornará oficial o desmando, porque os dirigentes tudo controlam, tudo negociam. "É dando que se recebe." A frase revela o modus operandi verdadeiro.
Sem norma legal que obrigue a democratização interna dos partidos, impeça a permanência de líderes por mais de dois anos nos cargos, abra as decisões maiores para os eleitores da base, tudo continuará como antes. Quem se instala no palácio em nome dos partidos tem ojeriza da praça. E tem razão, porque, no dia em que o povo for soberano nas agremiações, cairá a ditadura dos oligarcas que as infesta. Sem nenhuma exceção, à esquerda ou à direita.
Roberto Romano, 67, professor titular de ética na Universidade Estadual de Campinas, é autor de "Brasil, Igreja contra Estado" (Kayrós, 1979) e "Os Nomes do Ódio" (Perspectiva, 2009), entre outros
Fonte: Folha de S. Paulo
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