Crescimento econômico não foi suficiente para eliminar abismo, mostra censo
Diferenças ainda são gritantes nos principais indicadores, como renda, ensino e condição de acesso às casas
Pedro Soares
RIO - O crescimento mais acelerado do rendimento das classes mais baixas, o aumento do emprego e as transferências de renda do governo aos mais pobres nos últimos anos não foram suficientes para eliminar o fosso que ainda separa os moradores de favelas dos que vivem no "asfalto", isto é, fora delas.
Há ainda uma grande diferença quando se verificam indicadores como renda, educação e condições de acesso às casas, mostram dados do censo do IBGE comparando os 11,4 milhões de pessoas que vivem em favelas brasileiras --população semelhante à de países como Grécia e Portugal-- com o restante dos habitantes do país.
Mas os dois universos se aproximam bastante quando a pesquisa se volta para alguns índices de consumo, como a posse de aparelhos de TV e geladeira, por exemplo.
Nesses dois itens, a diferença praticamente inexiste: 98% dos moradores de favelas e das demais áreas da cidade têm TV; 95% daqueles que vivem nessas comunidades possuem refrigeradores, contra 98% no restante da cidade.
Mas as semelhantes param por aí. Quase metade (48%) dos lares fora das favelas tem computador ligado à internet.
Dentro das comunidades, são apenas 20,2%.
No caso da presença de máquina de lavar, a diferença era 66,7%, contra 41,4%, respectivamente.
Apesar da maior inclusão de crianças na escola desde os anos 1990, a educação é ainda o maior abismo: enquanto 14,7% da população de outras áreas concluiu uma faculdade, esse percentual é de apenas 1,6% nas favelas.
Os dados são do censo de 2010 e parte deles já havia sido divulgada. Mas agora o IBGE os utilizou para fazer novos recortes socioeconômicos.
Processo histórico
Segundo Maria Amélia Villanova, técnica do IBGE, a ocupação de favelas é um processo histórico no país e se deu de modo diferente nas diversas regiões brasileiras, mas sempre foi caracterizada pela presença de população mais pobre --muitas vezes migrante.
As características desse modelo, explica ela, são moradias com acesso mais difícil, sem infraestrutura adequada e, em geral, sem que seus moradores tenham posse regular do terreno ou imóvel.
Rute Imanishi, pesquisadora do Ipea especializada no tema, afirma que "a opção de morar nas favelas foi a que restou" às famílias mais pobres que queriam ter acesso a serviços públicos melhores (saúde e educação em especial) e morar mais perto do trabalho.
"É muito caro morar em cidades como Rio e São Paulo. A alternativa barata seria viver muito mais longe, em cidades nas franjas' dessas regiões metropolitanas, muito afastadas e com serviços até mais precários do que nas favelas.''
A disparidade de renda entre os moradores de favelas e dos que estão fora delas dá um panorama dessa realidade.
Quase um terço das famílias das favelas (31,6%) têm renda inferior a meio salário mínimo por pessoa (R$ 339, em valores atuais). Nas demais localidades, o percentual é bem menor: 13,8%.
Nas favelas, a informalidade também é mais elevada, atingindo 27,8% dos moradores. O percentual fica restrito a 20,5% de ocupados sem carteira assinada fora dessas áreas degradadas.
Moradia de risco
Em todo o país, a maior parte das favelas está em área plana (52,5%), embora 19,7% das comunidades se situem em encostas bastante inclinadas --situação que em quase toda a temporada de chuvas de verão se traduz em deslizamentos de casas e mortes.
Dos domicílios em favelas, 12,5% estão às margens de rios e córregos e 72,6% dos domicílios em favelas não têm espaçamento entre si, formando um grande bloco de casas ou de pequenos edifícios.
Villanova, do IBGE, diz que esses dados mostram que viver em favelas representa um risco adicional tanto do ponto de vista da saúde como de desastres. "O menor saneamento e má circulação de ar levam à insalubridade."
Fonte: Folha de S. Paulo
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