A expansão da internet passou a exigir um código de uso. Na proposta em debate no Congresso, são fundamentais a garantia da liberdade de expressão, da privacidade e da neutralidade da rede
Há milênios, num lampejo ainda misterioso, o homem começou a se comunicar com os semelhantes. Foi a revolução da linguagem, que separou para sempre os dois reinos, o da cultura e o da natureza. Há cinco mil anos, outro salto, o da escrita, separando a história da pré-história. Civilização e barbárie. Para boa parte dos antropólogos culturais, o surgimento da internet representa, para a sociedade contemporânea, revolução comparável a essas duas. Nunca antes tantas pessoas puderam se comunicar tão maximamente, e não mais apenas como receptores (como na TV), mas também como emissores. O impacto social da rede ainda está em curso, e, por isso, é tão importante que o Brasil discuta o tema, como na audiência pública de ontem na Câmara, e tenha uma norma legal sobre seu uso, coerente com o nosso projeto de nação. Três coisas são importantes no projeto que será votado na próxima semana: a garantia da liberdade de expressão, da privacidade e da neutralidade de rede.
A presença de tantas entidades na audiência pública de ontem explicitou o interesse e o envolvimento da sociedade civil com o tema. Repetiu-se muito no debate de ontem: embora tenha sido apresentado pelo governo há mais de um ano, depois de recolher sugestões de usuários e especialistas através da consulta pública aberta na internet pelo Ministério da Justiça, esse projeto não pode ser reduzido à matéria de interesse do governo, de um partido ou outro. Trata-se de uma política de Estado para a sociedade. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) foi um relator aplicado e diligente, estudou a matéria, dialogou com diferentes forças e atores, colheu muito reconhecimento ontem. Mas foi o primeiro a dizer que sua proposta consolida aspirações e proposições que a sociedade vem amadurecendo. Embora tenha ganhado ressonância depois das revelações sobre a espionagem americana, devia estar sendo votada independentemente disso. A pedido da presidente Dilma, Molon incluiu o artigo que determina a guarda de dados de brasileiros em data centers situados no país, mas esse não é o ponto mais relevante. Importantes mesmo são os três acima destacados.
Nunca tantos foram tão livres para se manifestar como no vasto território da internet. Mas, sempre que se falou em regulamentar outros aspectos de seu uso, os apocalípticos e paranoicos de plantão anunciavam riscos para a liberdade de expressão. Radicalizando a liberdade hoje existente, que permite a retirada de conteúdos ofensivos por provedores e gestores de espaços na rede, a pedido dos ofendidos, o projeto assegura que os provedores de conexão e aplicação não serão responsabilizados por tais conteúdos, e que eles só serão excluídos por ordem judicial. Talvez haja excesso nisso, pois tal ordem virá no ritmo lento da Justiça, à qual nem todos têm acesso. Mas a liberdade tem seus preços, e, se não pagarmos esse, não avançaremos nos outros dois aspectos.
Em relação à privacidade, o Marco Civil estabelece que o sigilo das comunicações pela rede não pode ser violado, ficando os provedores obrigados a guardar, pelo prazo de um ano, o registro da navegação de cada internauta, em ambiente controlado, não podendo delegar essa tarefa a terceiros. As grandes corporações, como redes sociais, por exemplo, serão obrigadas a apagar todos os dados de um perfil, se o usuário assim pedir, evitando que sejam utilizados por empresas, hackers, vendedores e espiões de toda espécie. A captura e armazenagem dos dados pessoais só poderão ocorrer com prévia autorização. Hoje, quem navega não tem controle sobre os dados, sobre tudo o que revela em suas conexões, sejam elas comerciais ou meramente interativas. Há quem seja contra, argumentando que quem entra na chuva é para se molhar. É uma posição, mas a privacidade é um direito constitucional, que entre nós vem sendo negligenciado, mas não foi ainda revogado. Em todo o mundo, em contraponto à hiperexposição, ela vem sendo redescoberta e valorizada.
Pacífica a votação não será. Alguns dirão que o Brasil inventa mais uma jabuticaba, que a internet não precisa de marco algum. Não precisou até aqui, mas outros países também já adotaram ou estão discutindo códigos de uso. A bancada das teles entrará em campo. O líder do PMDB, Eduardo Cunha, pedirá que seja votado o projeto original do governo, não o substitutivo de Molon. Bom de briga, seu alvo ontem foi o representante do grupo Intervozes, Pedro Ekman, que fez um discurso ameaçador, a ele, ao PMDB e aos congressistas que ousarem votar contra. Cunha passou-lhe um sabão e dezenas de deputados o seguiram, repelindo o discurso desqualificador do Legislativo dentro do próprio plenário. Os brios estão voltando.
Jogo em Minas
O senador Aécio Neves e o comando do PSDB mineiro já acertaram definitivamente os ponteiros para a sucessão no estado. Pimenta da Veiga será mesmo candidato ao governo, tendo como vice o ex-tucano Dinis Pinheiro, que migrou para o PP. O governador Antonio Anastasia deixará o cargo em abril para seu vice, Alberto Pinto Coelho, do PP, que sai duplamente premiado. Anastasia disputará o Senado. Embora esteja tudo certo, o anúncio deve ser feito em janeiro.
Fonte: Correio Braziliense
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