O Congresso Nacional, depois da patética prorrogação dos critérios vigentes (sic) do Fundo de Participação dos Estados (FPE), declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, gestou, com ostensivo estímulo do governo federal, mudança retroativa nos indexadores das dívidas dos Estados e municípios contratadas com a União.
Ainda que a troca do indexador tenha respaldo técnico, a injustificável retroatividade constitui um prêmio a desmandos administrativos, praticados por gestores incompetentes ou ímprobos. A solução foi pautada, indiscutivelmente, por interesses político-eleitorais centrados na Prefeitura de São Paulo, justamente um dos entes mais ricos da Federação.
A nova legislação do FPE e a mudança retroativa dos indexadores constituem violações flagrantes à Constituição e às normas de responsabilidade fiscal. Essas ofensas, todavia, não causam a mais leve indignação neste país, onde a principal preocupação dos governantes tem sido preservar o poder.
Ainda que não se tenha uma decisão sobre os donatários das receitas provenientes dos royalties do petróleo, o Congresso, novamente respondendo a apelo do Poder Executivo, apressou-se em vincular os recursos a educação e saúde. Todos reconhecem a má qualidade dos serviços públicos de educação e saúde. Isso, entretanto, não autoriza concluir que o problema decorre apenas da escassez de financiamento público. Aliás, em relação àqueles setores, os gastos públicos no Brasil, como proporção do PIB, não divergem significativamente dos padrões internacionais. Não há recursos que consigam suprir concepções ruins ou má gestão. Além disso, é uma temeridade vincular despesas basicamente de custeio, como educação e saúde, a receitas imprevisíveis, como as do pré-sal.
A guerra fiscal do ICMS é uma fonte inesgotável de polêmicas, em boa medida por força de uma equivocada tese que pretende a solução do impasse por meio da redução das alíquotas interestaduais.
A Constituição esclarece que o disciplinamento da competição fiscal demanda lei complementar (art. 155, § 2.º, inciso XII, letra g), ao passo que a alíquota interestadual do ICMS, fixada por Resolução do Senado, é tão somente instrumento para partilha horizontal das rendas.
No âmbito interestadual, é minoritária a participação de operações incentivadas. Independentemente de juízo sobre o princípio do destino, não há razão para dispor sobre todas as operações, a pretexto de tratar daquelas que são objeto de incentivos.
A redução das alíquotas interestaduais, inevitavelmente, geraria um indefinido universo de Estados perdedores, que passariam a demandar a instituição de vultosos fundos compensatórios, objeto de intermináveis querelas. Afora isso, seu financiamento implica aumento da carga tributária, porque, como se sabe, não existe geração espontânea de receitas.
A prevenção da guerra fiscal por meio de lei complementar é a via constitucionalmente própria e dispensa a construção de onerosos fundos. Mas a lei complementar não pode ser vista como meio para apenas revogar o requisito da unanimidade para concessão de benefícios, como pretendem algumas propostas. A competição fiscal pode ser admitida sem esse requisito, desde que limitada a hipóteses que estabeleçam condições especiais para a concessão e a fruição do benefício, sem prejuízo da aplicação de rigorosas sanções pelo seu descumprimento.
A procrastinação dos remédios para a guerra fiscal inibe os investimentos privados, especialmente nas regiões menos desenvolvidas, justamente por falta de segurança jurídica.
Contrastando com essa paralisia, prospera, no Congresso, emenda constitucional que visa a estabelecer o orçamento impositivo para as chamadas emendas parlamentares. Teremos, assim, nesta Federação desequilibrada e disfuncional, uma nova classe de transferências: as voluntárias impositivas. Não bastasse essa excentricidade lógica, faremos a festa da corrupção política. É o império de Macunaíma, nosso herói tão pouco virtuoso.
*Everaldo Maciel é consultor tributário e foi secretário da Receita Federal (1995-2002).
Fonte: O Estado de S. Paulo
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