Participei nesta semana de um seminário que comemorou os 20 anos do Plano Real. Lá, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou que o governo perdeu o rumo. Nada mais verdadeiro: basta considerar o pacote elétrico arrematado às pressas e divulgado nesta quinta-feira, que comentamos mais adiante.
O evento me lembrou que utilizei exatamente este título num artigo publicado neste espaço, em 17 de junho do ano passado. Lá estava dito que:
"Uma sucessão de más notícias fez o governo perder o rumo. O PIB do primeiro trimestre foi péssimo..."
"Três anos de crescimento próximo de 2% não representam um evento fortuito, mas uma tendência mais estrutural, passado o efeito dos grandes ganhos de preços de commodities."
"Nosso problema não está na demanda, mas sim, na falta de competitividade da produção nacional."
"A situação macroeconômica está desarranjada..."
"Corremos o risco de acabar por piorar um pouco mais o crescimento, a inflação, o setor externo e a dívida do governo."
Quase um ano depois, não só todas estas observações seguem totalmente válidas, como ficaram ainda mais claras: as pressões inflacionárias continuam obrigando o Banco Central a elevar os juros, as expectativas dos agentes estão piores, o crescimento de 2014 deve ser menor que o de 2013. Mais que tudo, a taxa de investimentos não cresce: o IBGE estimou que o número de 2013 foi de apenas 18,4%, praticamente igual ao do ano anterior.
Em 2014, o cenário do investimento continua muito limitado. Isso pode parecer surpreendente, uma vez que a produção de bens de capital em janeiro deste ano mostrou uma expansão de 10% em doze meses, número bastante robusto. Entretanto, boa parte desse resultado se deveu à grande recuperação da agropecuária, que cresceu 7% no ano passado, levando a um aumento na demanda de caminhões, tratores e implementos. Ora, a safra deste ano deve ser boa, parecida com a do ano passado, por conta do impacto da forte seca. Com isso, a absorção de bens de capital em doze meses já bateu no teto e começa a dar sinais de retração.
Além do quadro macroeconômico, queria chamar a atenção para dois fatores que estão a limitar a ampliação dos investimentos. Falo aqui da situação energética e das incertezas que o excesso de intervenções microeconômicas estão a colocar no sistema produtivo.
Consideremos primeiro a questão energética. O setor está completamente desestruturado, desde o final de 2012, quando uma redução arbitrária e populista de 20% na conta de luz foi imposta ao sistema, através da MP 579. Não é o momento aqui para uma análise detalhada dessa regulação. Basta dizer que, como consequência da mesma, a Eletrobrás praticamente quebrou, as distribuidoras ficaram descontratadas, tendo de comprar no mercado livre parte de suas necessidades a custos crescentes, os conflitos do setor foram totalmente judicializados e a perda de valor do sistema foi gigantesca.
Para completar o caos, a já mencionada seca reduziu o nível dos reservatórios, introduziu o risco de algum tipo de racionamento e jogou na estratosfera o preço da energia no mercado livre. Até a semana passada, todos os porta-vozes governamentais negavam peremptoriamente a existência de problemas.
Entretanto, no mesmo dia que os analistas da Standard & Poor's estavam no Ministério da Fazenda (o que, naturalmente, foi apenas uma coincidência), o governo edita um pacote de ajuda às distribuidoras, que vai reconhecer um gasto extra de R$ 21 bilhões para suporte ao setor: R$ 9 bilhões virão do Orçamento, R$ 4 bilhões do Tesouro (a serem cobertos pela elevação de tributos), e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) vai tomar R$ 8 bilhões no mercado.
Esta parte é bastante nebulosa, uma vez que consta que o estatuto da organização proíbe a tomada de empréstimos e não se sabe qual será a instituição financeira a conceder o financiamento (Caixa Econômica?). Este empréstimo é, claramente, mais um evento da contabilidade criativa, pois que, qualquer que seja a solução, a garantia final terá de ser do Tesouro, ou o evento não acontece.
O pacote é positivo, no sentido de não postergar mais a deficiência de caixa das companhias do setor, mas não elimina nem a confusão, nem as incertezas, nem o elevado custo para todo o sistema desta prática explícita de populismo tarifário. É óbvio que, com tal incerteza quanto ao suprimento de energia elétrica (confiabilidade, disponibilidade e custo), o investimento do setor privado fica algo prejudicado, no mínimo, induzindo ao adiamento de projetos, até maior clareza da situação.
A questão dos excessos de regulação e intervenções de caráter microeconômico pode ser vista em todos os lugares, a começar da tributação. Quero mencionar hoje um caso particularmente ilustrativo.
No segundo semestre de 2013 venceu o prazo para que as indústrias fizessem as adequações às novas normas editadas pelo Ministério do Trabalho (NR 12), referentes à segurança dos operadores em bens de capital. Este é um caso clássico de como muitos problemas nascem a partir das boas intenções. É evidente que a segurança do trabalhador é importante. Entretanto, o grau e o volume de exigências cresceram de forma extraordinária e exagerada. Não só o número de normas específicas subiu de quarenta para mais de trezentas, como, também, a exigência é tal que muitos equipamentos, que são autorizados a serem fabricados e utilizados na Alemanha e na União Europeia como um todo, não se enquadram na regulação brasileira.
A adequação resultante da norma exige um investimento de difícil realização por parte da indústria. Além disso, os equipamentos vão subir de preço. A NR 12 também não distingue máquinas novas de usadas, o que implica que todo o estoque de máquinas instalado no Brasil tem de ser readequado ou sucateado, uma vez que parte dos equipamentos instalados vale menos do que o gasto de sua reforma. A indústria nacional sai bastante prejudicada.
Finalmente, com a norma em vigor, já existem casos de indiciamento, multas ou fechamento de empresas. Naturalmente, a criação de dificuldades também estimula uma certa indústria de facilidades.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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