• DEM entra com projeto pedindo revogação e já tem apoio do PSDB
• Mendonça Filho diz que Dilma quer criar ‘ conselhos dos amigos do poder’ e tutelar o Legislativo, lugar de debates públicos
Cristiane Jungblut e Mônica Garcia - O Globo
BRASÍLIA E RIO - A oposição quer a suspensão do decreto da presidente Dilma Rousseff que obriga os órgãos do governo a promover consultas populares sobre grandes temas, antes de definir as políticas a serem adotadas. Ontem, o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), apresentou projeto prevendo a revogação do decreto que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS).
Ele ameaçou colocar seu partido em obstrução e não votar medidas provisórias, na próxima semana, caso Dilma não volte atrás, ou caso o Congresso não aprove sua proposta, que ele pretende que seja votada com urgência.
Mendonça Filho, que discutirá a questão na reunião dos líderes partidários da próxima semana, cita a Constituição para defender a revogação do decreto e afirma que é da competência do Congresso “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
— Esse decreto da presidente Dilma é uma aberração. É uma desfaçatez o PT e a presidente Dilma chegarem ao nível de passar por cima do Legislativo, caixa de discussão e ressonância da sociedade. Dilma quer criar um poder paralelo — criticou Mendonça Filho.
Para ele, os integrantes das novas estruturas serão escolhidos pelo governo, o que já vicia todo o processo.
— Serão os Conselhos dos Amigos do Poder. Quer criar um poder paralelo e ainda cria cidadãos de primeira e segunda classe. Para ser ouvido, o cidadão comum tem que estar associado a uma ONG ou a um sindicato — disse ele.
Mendonça Filho acredita que vai angariar apoio:
— O presidente da Câmara, Henrique Alves, tem sido um guardião das prerrogativas do Poder Legislativo e não vai aceitar isso — disse.
PT diz que ideia é ter diálogo
O PSDB já apoia a proposta do DEM. O líder do partido tucano, deputado Antonio Imbassahy (BA), já pediu à sua assessoria para analisar se o decreto não fere a Constituição.
— Querem estabelecer uma gestão bolivariana no Brasil. Propostas como essa são um movimento típico de quem perdeu o rumo, como este governo. O PT fez um trabalho para enfraquecer as instituições. Eles querem controlar os movimentos, mas vêm perdendo legitimidade — disse Imbassahy, alegando que há uma tentativa de enfraquecer o Legislativo como Casa de representação da sociedade.
O PT reagiu à iniciativa do DEM. O vice-líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), disse que é preciso manter o decreto presidencial.
— O que a presidente Dilma quer é institucionalizar o diálogo com a sociedade, que não pode ser feito apenas quando se vai votar um projeto de lei no Congresso. E o DEM não é afeito a esse tipo de coisa — alfinetou Guimarães.
Na prática, o decreto da presidente Dilma obriga órgãos da administração direta e indireta a criar estruturas de participação social, como o conselho de políticas públicas; a comissão de políticas públicas; a conferência nacional; a ouvidoria pública federal e a mesa de diálogo, além de fórum interconselhos; audiência pública; consulta pública; e ambiente virtual de participação social. Alguns desses mecanismos já são usados pelas agências reguladoras. Para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), segundo informação da assessoria do órgão, o decreto não traz nenhuma novidade porque os artigos que tratam de audiência pública e consulta pública já são seguidos pela agência. A Aneel entende que qualquer mudança em função do decreto será apenas de nomenclatura. O mesmo argumento se repete em outras agências, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que também acredita que já cumpre boa parte das normas, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que garante já abrir espaço para a sociedade.
Uma das críticas ao decreto é que ele pode aumentar a burocracia e levar à maior demora na tomada de decisões. Da base governista, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), disse ter certeza que, se o decreto causar problemas à agilidade do governo, a presidente Dilma vai rever a decisão.
— Vou analisar com cuidado, mas a presidente pode propor conselhos. Se a presidente achar que o modelo causou lentidão, acredito que ela mesmo acabará voltando atrás — disse Cunha.
Especialistas divergem
Entre os especialistas, há divergências. O professor de Administração Pública da UnB José Matias-Pereira disse que o decreto é uma “atitude arrogante e autoritária” do governo. Ele acredita que o PT promove um movimento de enfraquecimento das instituições, ao atacar o Poder Judiciário e o Ministério Público, por exemplo. E lembrou que pode haver um aparelhamento, já que o PT e outros partidos controlam as principais estruturas sociais, como sindicatos:
— A aplicação desse decreto seria um retrocesso para a democracia brasileira. E leva a uma sentença de morte ao Poder Legislativo como caixa de ressonância da sociedade.
O jurista Hélio Bicudo, ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington, tem opinião parecida:
—Esse decreto enfraquece a democracia. Esses conselhos populares não podem ter poder de decisão. Era necessário pensar em aumentar o poder do Executivo e tirar do Legislativo algumas questões e atribuições, mas não entregá-las a um conselho escolhido aleatoriamente. Esse decreto só enfraquece o Poder Legislativo e pode até engessar decisões importantes do governo e relevantes para a sociedade.
Já o professor Marco Antonio Teixeira, do Departamento de Gestão Pública (GEP) da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, defendeu as novas normas, alegando que o atual sistema de representação política está em crise.
—Acredito que essas normas são complementares, e não em substituição ao Legislativo. Não vejo oposição de uma coisa à outra — disse Teixeira.
O jurista Pedro Abramovay também não se opõe ao decreto.
— Esses conselhos ajudarão o povo a exercer sua democracia. Com eles, todas as vozes serão ouvidas. Esses mecanismos já existem e têm sido importantes para legitimar nossa democracia.
Jurista e professor emérito da Faculdade de Direito de São Paulo, Dalmo Dallari diz que Dilma teve uma boa iniciativa. — A nossa Constituição, em seu artigo 1º, fala exatamente sobre essa democracia participativa. É muito importante essa aproximação do povo com o poder: além de se manifestar e opinar, ele também poderá criticar e propor condições melhores para toda a sociedade — disse. (Colaborou Mônica Garcia)