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Quando venceu as eleições presidenciais anunciando que a esperança vencera o medo, o Partido dos Trabalhadores deu início àquela que se desenhava como a primeira experiência real das esquerdas no comando do país. Doze anos depois, o PT recorre aos instrumentos mais conservadores para se perpetuar no poder, desqualificando adversários e propagando o discurso do medo do qual foi vítima em um passado recente.
A guinada do partido é simbolizada na propaganda em que os petistas assustam a população sobre o risco da volta de “fantasmas do passado”, numa tentativa de atacar um dos candidatos da oposição no pleito de outubro. O terrorismo midiático foi tão escandaloso que o Tribunal Superior Eleitoral suspendeu a veiculação do comercial na TV por se tratar de propaganda eleitoral antecipada.
A funcionalidade conservadora incorporada ao discurso do medo também é perceptível no modo petista de governar o país. O grande exemplo é o Bolsa Família, que nada tem de progressista ou transformador. O “maior programa de transferência de renda do mundo” é respaldado por conceitos classicamente liberais defendidos pelos criadores das chamadas políticas compensatórias.
Anunciado como o suprassumo das políticas sociais, o Bolsa Família pode até melhorar o presente, mas não transforma profundamente a realidade e mantém alienada a população espoliada ou excluída pelo sistema. A diferença em relação às velhas práticas dos coronéis – hoje transmutados em fiéis aliados do lulopetismo – é que a cooptação dos mais pobres é feita por meio de um cartão eletrônico.
Ao optar pelo caminho mais fácil da popularidade, Lula e o PT legaram a Dilma Rousseff um país muito diferente da fantasia vendida pelo marketing irresponsável. Segundo o IBGE, o contingente de brasileiros que não trabalham nem procuram emprego chega a 62 milhões (39% das pessoas em idade para trabalhar). Entre os jovens de 15 a 29 anos, 9,6 milhões (19,6%) não estudam nem trabalham, formando a geração dos “nem-nem”.
Na educação, outro desastre. Após uma queda constante desde 1998, o índice de analfabetismo no país voltou a crescer em 2012, de acordo com o mesmo IBGE: 13,2 milhões de pessoas não sabiam ler nem escrever, o equivalente a 8,7% dos brasileiros com 15 anos ou mais. No ano anterior, havia 12,9 milhões de analfabetos (8,6%).
Enquanto reivindica para si o monopólio da esquerda, o PT se vê obrigado a defender um governo que atendeu à banca financeira como “nunca antes neste país”, para usar expressão tornada célebre por Lula. Só no primeiro trimestre do ano, o lucro dos quatro principais bancos brasileiros foi de R$ 10,5 bilhões, insuficiente para evitar o corte de mais de 2 mil postos de trabalho no setor. Em 2013, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, em especial o BNDES, somaram R$ 438 bilhões. O apadrinhamento do governo para criar grandes capitalistas gerou, inclusive, um desastre recente que atende pelo nome de Eike Batista.
No campo da ciência, o medo também venceu a esperança. O PT se rende ao fundamentalismo religioso e não admite avanços na pesquisa científica, por exemplo. Ao lado das forças do atraso, o governo se articula para barrar eventuais mudanças na Lei de Biossegurança, ignorando o potencial social da biotecnologia consagrado por outros países e referendado por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde.
Para onde quer que se olhe, o partido que recebeu o voto dos brasileiros não entregou o que prometeu. Com o coronelismo assistencialista disfarçado sob uma nova roupagem, as alianças espúrias com o que há de mais atrasado na política brasileira e a associação desbragada com o sistema financeiro, o atual governo não será capaz de levar a cabo as mudanças desejadas por 74% da população, segundo o Datafolha. Se os petistas ainda preservam alguns valores caros à esquerda, os governos de Lula e Dilma aderiram à agenda da direita mais retrógrada. O medo venceu o PT.
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
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