- O Estado de S. Paulo
Abstraídos os excessos de temperamento, o ministro Joaquim Barbosa deixa como principal legado, ao antecipar sua aposentadoria, o fim do ciclo de impunidade representado pelo foro especial que se transformara em privilégio para autoridades públicas.
É um mérito extensivo aos demais juízes do Supremo Tribunal Federal, incluindo os dois que se aposentaram antes da conclusão da Ação Penal 470, (mensalão), Ayres Britto e César Peluso .
Mas a liderança de Barbosa e sua irredutibilidade em momentos cruciais foram decisivos para a viabilidade do julgamento. Sem ele, certamente a história seria outra, ainda que justiça viesse a ser feita.
A começar pela estratégia adotada na ordenação do conteúdo bruto recebido do Ministério Público, a insistência em não desmembrar o processo e o enfrentamento da mais cara e qualificada bancada advocatícia do país.
O foro especial foi criado para preservar autoridades públicas de processos inconsistentes de objetivo exclusivamente político, que representaram durante anos a banalização do processo judicial.
Desse conceito inicial, converteu-se em blindagem para políticos e outras autoridades, na medida em que não se julgavam denúncias contra essa camada da elite dirigente. De foro especial passou a ser chamado de foro privilegiado, distorção que o julgamento do mensalão corrigiu.
O ódio que lhe dedica o PT, cujos dirigentes históricos cumprem pena no presídio da Papuda, reconhece-lhe o mérito, pois atribuem a Barbosa o infortúnio do partido, obra da maioria dos ministros do STF.
Mas o PT faz parecer que Barbosa relatou, julgou e condenou sozinho, omitindo por estratégia política, que enfrentou um duríssimo revisor, na figura do ministro Ricardo Lewandovski, e fez acompanhar seus votos a maioria da Corte.
O PT esperava de Barbosa a chamada “gratidão da toga”, expressão que se traduz pelo favorecimento do juiz aos que o indicaram para a mais alta Corte de Justiça. Esperava o mesmo de outros que, igualmente, frustraram o partido e o ex-presidente Lula.
A consistente formação jurídica de Barbosa, com origem no Ministério Público, não foi o que inspirou o ex-presidente Lula a nomeá-lo, mas principalmente a conveniência de exibir um compromisso com a diversidade racial, embora Barbosa representasse bem mais que isso.
Como ficou demonstrado em sua tenacidade, que já marcara sua trajetória profissional e pública, que se distinguem pela superação da infância miserável sob o preconceito de cor, até os bancos escolares, a formação superior e o desenvolvimento da carreira que o levou ao topo da magistratura.
Barbosa sai antes do tempo limite mantendo-se irredutível nas posições em relação aos sentenciados do mensalão. Sua decisão mais recente, polêmica, de exigir o cumprimento de 1/6 da pena aos condenados em regime semiaberto para que possam trabalhar fora do presídio, certamente será revogada.
Tem contra ela a maioria dos juristas, especialistas e dos juízes do STF e, agora, do Procurador Geral, Rodrigo Janot, mas prevalecerá até seu último dia na Corte.
Provavelmente sua decisão de antecipar a saída prende-se a um cronograma que estabeleceu a conclusão do processo do mensalão como o fim de uma etapa – a mais nobre da carreira -, que restituiu a noção de que a Lei é igual para todos.
Ainda que o mensalão não seja suficiente para afirmação de cunho tão romântico, e que não justifique a mistificação de Barbosa como herói, é indiscutível que sua passagem pela Corte se fez histórica e definitivamente registrada na história política brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário