• Marina ruma para mais um casamento de conveniência
Valor Econômico
Amigos e próximos de Eduardo Campos sempre lembram sua impressionante capacidade de imitar políticos conhecidos. É um traço de personalidade que exige talento e paciência para observar. É um talento que só se desenvolve com muito exercício, ao longo de anos e que costuma vir acompanhado de uma capacidade fina para analisar pessoas e cenários políticos. Para o país, a tragédia é saber que produzir um imitador como esse exige gerações. E décadas de determinação e de esforço pessoal.
Não se conhece de Marina nenhum pendor para a imitação. Mas é conhecida sua determinação e capacidade de análise política. Quando, ao longo do governo Lula, era fustigada de todos os lados e acusada de desempenhar papel meramente decorativo, persistiu na missão de levar a problemática ambiental para o centro da agenda. Quando, em 2009, era generalizada a ideia de que sua candidatura à Presidência era uma aventura, a aventureira alcançou nada menos do que 20% dos votos válidos no primeiro turno da eleição de 2010.
O que uniu Eduardo e Marina foi uma análise convergente do quadro político. Essa análise dizia que um acordo tácito entre PT e PSDB servia apenas para manter uma liderança inconteste do PT no condomínio de governo e inviabilizar a entrada de outras candidaturas. O PSDB praticava uma opção passiva, esperando que o acaso da conjuntura lhe jogasse o poder no colo. Estava satisfeito com a contrapartida dada pelo PT de mantê-lo como espantalho eleitoral, sem incomodar na gerência de Estados tão expressivos quanto São Paulo e Minas Gerais.
Esse jogo encenado de situação e oposição só fez reforçar um quadro em que toda aliança fisiológica passou a se justificar internamente em nome da manutenção do PT na liderança do condomínio de governo. E não de todo o PT, mas de certo grupo majoritário dentro do partido que gira em torno de Lula. Mesmo quando perdeu todos os seus quadros mais destacados, no rastro do mensalão, a opção foi por Dilma, que não tinha vida partidária ou qualquer experiência eleitoral. Até aquele momento ainda filiada ao PT, o nome de Marina sequer foi cogitado, por exemplo.
Essa estratégia para se manter como síndico do condomínio de poder tomou contornos ainda mais acentuados com a mudança de tática eleitoral do PT a partir das eleições municipais de 2012. Ficou claro ali que tinha se encerrado a tática histórica de conferir prioridade absoluta à eleição presidencial, deixando ao resto dos condôminos parte substancial do butim nos demais níveis de governo. A partir de 2012, o PT deixou claro que iria investir em duas frentes de maneira mais ou menos equânime: na eleição presidencial e nos maiores colégios estaduais (o que tem como efeito secundário decisivo a eleição de uma maior bancada no Congresso).
Foi nesse momento que Eduardo percebeu que até mesmo seu espaço de aliado histórico do PT estava ameaçado. Era necessário partir para uma posição ofensiva. A partir daquele momento, apenas defender o espaço conquistado tinha se tornado arriscado demais, uma atitude derrotista. Um sinal dessa incapacidade do PT de construir verdadeiras coalizões políticas, mesmo entre aliados históricos, já tinha lhe aparecido em 2006, quando da duríssima oposição do partido líder do condomínio à sua candidatura ao governo de Pernambuco.
A aliança de Eduardo e Marina não se parecia em nada com tentativas anteriores de romper o bloqueio PT-PSDB, como as apostas freelancer de um Ciro Gomes ou de um Anthony Garotinho. A consistência das carreiras políticas e dos personagens, a consistência da estranha aliança tática que fizeram apontava para uma novidade de grande importância no cenário. O que aproximou Eduardo e Marina foi a condição de excluídos pelo jogo combinado PT-PSDB, unindo dois modos de atuação e dois conjuntos de objetivos políticos muito distintos. Marina em sua tática de outsider, Eduardo Campos em sua habilidade de operar no interior do sistema político.
Para se ter uma ideia da habilidade de Eduardo, basta pensar em como uniu seu partido em torno do que pareceria o mais arriscado dos passos para um sócio minoritário do condomínio de governo, lançar uma candidatura independente. Eduardo estimulou alianças sólidas e duradouras do PSB com o PSDB, especialmente nos Estados mais importantes comandados pelos tucanos. Com isso, produziu uma divisão no interior do partido entre quem se inclinava por manter a aliança com o PT e quem pretendia migrar para a candidatura do PSDB. Foi assim que a candidatura própria surgiu como única forma de conciliar o partido, foi assim que ele mesmo se consolidou como candidato a presidente.
Isso significa que só Eduardo representava a união entre essas forças divergentes dentro do partido, o que quer dizer que a guerra pelo poder dentro do PSB já está declarada. Mas, dada a correlação de forças, um racha pode facilmente se tornar suicídio político, caso um lado tente se impor sobre o outro neste momento. Também por isso, Marina aparece como a única solução no momento. Se Marina for confirmada como candidata à Presidência, vai acontecer com o PSB o que já acontece com todos os partidos que não o líder do condomínio no poder: a candidatura presidencial fica com o tempo de TV e cada qual vai apoiar quem bem entender.
Sendo confirmada candidata, Marina está, do ponto de vista político, na situação em que joga mais à vontade: como outsider. Vai estabelecer uma relação com o PSB semelhante à que estabeleceu com o PV em 2010, de pura conveniência. Pertence a Maria Cristina Fernandes, em seu livro eletrônico "Os Candidatos" (Companhia das Letras, 2014) a observação arguta: mesmo sendo o grande imitador que era, não há registro de que Eduardo tenha alguma vez imitado Marina. Excede agora em importância o registro de que Marina não ter qualquer inclinação ou intenção de imitar quem quer que seja.
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp, pesquisador do Cebrap
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