quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Rosângela Bittar - Marina, ainda um enigma

• O Rede nem nasceu e já caiu no racha da velha política

- Valor Econômico

Dois ou três desconhecidos integrantes da cúpula do Rede, partido que eles mesmos não conseguiram criar mas já estão dele produzindo dissidência, como os demais da política velha de guerra quando contrariados em seus interesses individuais, declararam independência de Marina Silva por ela haver feito opção no segundo turno da disputa presidencial. Queriam que ficasse neutra entre PT e PSDB, como ficou em 2010, uma decisão que, lá atrás, poderia ter-lhe custado alguns anos de percurso eleitoral interrompido se não tivesse tomado o atalho de Eduardo Campos, com o PSB.

Essa visão de curto prazo dos redistas em confronto com o gesto de médio e longo prazos da candidata e ex-senadora, que não se mostrou abalada pelas críticas, é um sinal, o primeiro mais concreto, da natureza do projeto político de Marina Silva. Ela vai continuar no jogo.

Marina participou de sua segunda eleição para presidente da República - nas duas teve 20 milhões de votos - e dela saiu, como saiu da primeira, sem conseguir deixar no eleitorado o sentimento do que mesmo está ele perdendo ao não elegê-la. Marina é a sua figura, um símbolo, não um projeto claro de país.

O que se vê em 2014, como se via em 2010, é que há a candidatura de uma personalidade em busca de uma realização pessoal, com um séquito de pessoas de diferentes atuações e desejos que se armam à sua volta, e de expectativas tentando sobrepor seu próprio projeto ao dela e evitar que se desgarre de todos em direção a algo mais amplo. Querem ficar restritos.

Já se disse, sobre o modelo de operação de Marina, que ela ouve a todos, amadurece sua decisão, e faz suas opções. A reação de uma parte dos integrantes do futuro Rede está provando que há nuances nessa escrita. Desta vez, não gostaram da sua decisão e deram-lhe uma rabanada. E Marina seguiu seu rumo, como queria, sem as amarras do ecologismo, do fundamentalismo religioso e outras plataformas reducionistas.

Sinal de amadurecimento político de Marina, o segundo nesta eleição. Primeiro, ao se ver sem partido e com a capacidade eleitoral contida pelos adversários, optou por seguir com a candidatura Eduardo Campos, inserindo-se no cenário. Com a morte dele, assumiu seu lugar e quase foi levada à Presidência da República em uma eleição da qual sua sina era não participar.

Chegado o momento do segundo turno, viu-se novamente diante de obstáculos à continuidade de sua trajetória e à montagem de condições para que pudesse estar no cenário de 2018. Seus aliados temáticos e aliados petistas não gostaram de sua opção por Aécio, mas ela seguiu em frente, numa decisão difícil porém objetiva.

Marina é um fenômeno político, ninguém pode deixar de considerá-la desta forma. E voltará na próxima eleição a disputar a Presidência, com um retorno ainda maior, já mais vivida e conhecida, e tendo visto e sofrido na pele a dura realidade da disputa.

Ela entrou nas duas campanhas como afirmação de uma ideia, como uma bandeira desfraldada, e saiu, agora, como antes, como um enigma. Quem é Marina? O que ela quer fazer na política sem partido, equilibrando-se nas regras do jogo, intimidada por adversários e mais ainda por aliados?

Sua história é dramática, do ponto de vista humano, uma biografia que desafia a compreensão e causa fascínio no eleitorado, traduz uma singularidade com que ninguém pode se comparar. Marina é o épico, a mulher da floresta, a alfabetização aos 16 anos, um desafio à imaginação. Os demais são políticos com biografias também peculiares, mas comuns.

Por haver percebido isso, e tentar levar-se avante, sem partido, sem respaldo, sem estrutura, sem experiência, já se pode dizer que Marina deu certo na política. Vinte milhões de votos, em duas campanhas, não dá para discutir. É óbvio que um contingente grande de eleitores, de todas as origens, ricos, pobres, importantes, desconhecidos, encantam-se com ela. A classe média e os jovens a adotam sem pedir explicações sobre de quem e do que se trata.

Está claro, porém, que é preciso acertar as contas com o seu grupo próximo. Quando aderiu a Eduardo Campos, era uma joint venture em que a maior parte do peso da responsabilidade ficava com ele. Uma aliança de conveniência, mais favorável a ela do que a ele. Com sua própria candidatura, em seguida à morte de Eduardo, já precisou assumir mais compromissos e firmeza. Já aí despertou a reação irada dos grupos petistas e ecológicos que a cercam e bebem no seu prestígio, sobretudo internacional.

O que Marina armou agora foi seu caminho do futuro, fez por onde transitar. Desenhou o cenário para si em 2010, tomou a iniciativa da aliança com Campos, controlou a definição de sua chapa quando virou candidata, e, agora, abandonou a inútil neutralidade para se posicionar. Fatos que apontam para 2018 o seu horizonte.

Até agora, ficava-se a favor ou contra ela pelo modelo fechado do ambientalismo ou fundamentalismo religioso. É inegável que está abrindo o leque.

Com um pouco mais de visibilidade, é verdade, mas Marina ainda sai de sua segunda eleição presidencial como enigma. Se tivesse ido para o segundo turno, nem essas elucubrações seriam feitas. Como o PT de tantas facções que se unem na hora H, ou o PSB, que só vive a dissidência hoje porque um grupo jamais se conformou com a candidatura própria em detrimento da aliança com o PT, o Rede está tendo um dos piores xiliques da velha política, responsável pela explosão do quadro partidário, a saída para outra porque o comando não faz o que a minoria quer.

A hora da verdade, entretanto, chegou, e Marina respondeu a ela, com um sinal ao eleitorado de que continua em cena.

Cercada de pessoas ligadas a ONGs internacionais, ao PT e à religião, Marina Silva não tem na sua entourage nenhum segmento com vocação para colocar a mão na massa dos problemas econômicos e sociais, por isso segue sem projeto conhecido para o país. Querem salvar o planeta, mas não conhecem os meios para salvar o brasileiro da sua circunstância. Os partidos ecológicos, no mundo, são minoritários, mas têm uma força extrema que deriva da moral e da densidade eleitoral. Aqui ainda creem que Chico Mendes era estritamente um verde. Antes de ser ecologista, Chico Mendes, modelo da nação marinista, era essencialmente socialista.

O projeto terá que se comover com os problemas econômicos, sociais e filosóficos do país, que transcendem a causa ecológica. Marina só avança por essa travessia.

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