• Delação premiada tem sido tão eficaz que muitos achavam que se tratava de uma invenção recente, quando, na verdade, surgiu nos EUA nos anos 60
- O Globo
Por ironia da história, um dos personagens mais repulsivos durante a ditadura militar, o dedo-duro, tornou-se hoje o protagonista da luta contra a impunidade, graças ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que popularizou a delação premiada, um expediente segundo o qual o criminoso passa a colaborar com as autoridades e recebe em troca benefícios como perdão ou diminuição da pena. O mesmo acordo foi assinado um mês depois pelo doleiro Alberto Youssef, acusado pela polícia de ser o chefe do esquema bilionário investigado pela Operação Lava-Jato. Agora, foi a vez de um militar ajudar a desmantelar um dos maiores casos de corrupção na PM do Rio de Janeiro ao se dispor a revelar os ilícitos cometidos pela quadrilha a que pertenceu. O instrumento tem sido tão eficaz e com tanto sucesso que muitos achavam que se tratava de uma invenção recente, quando, na verdade, surgiu nos EUA nos anos 60, na época em que a máfia imperava e seus membros presos se negavam a colaborar por fidelidade ou medo de represália dos comparsas. Para furar esse pacto de silêncio, a Omertà, a Justiça americana criou esse sistema, que oferece, além do perdão ou redução da pena, prisão diferenciada e proteção da família em troca de informações privilegiadas.
Como se sabe, na série de depoimentos que prestou sobre propinas e desvios de dinheiro na Petrobras, Paulo Roberto Costa denunciou o envolvimento de 30 políticos, entre os quais os presidentes da Câmara e do Senado, três partidos, PT, PMDB e PP, um ministro e três governadores, e nove das grandes empreiteiras. Só da Odebrecht, ele disse ter recebido no exterior US$ 23 milhões. E US$ 1,5 milhão para não atrapalhar a compra da Refinaria de Pasadena, em 2006. Sem falar nos R$ 500 mil que disse ter embolsado do presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Por tudo isso e por ter concordado em abrir mão de contas na Suíça e nas Ilhas Cayman, além de devolver à Justiça R$ 80 milhões obtidos em atividades criminosas, o escândalo da estatal está sendo considerado um marco, pois seria a primeira vez que um réu concorda em devolver aos cofres públicos tanto dinheiro e em denunciar tantos personagens importantes do cenário político nacional.
Os atingidos direta ou indiretamente, como a presidente Dilma, se voltaram não contra os acusados, mas contra os acusadores, alegando "vazamento seletivo" e "golpe eleitoral". As críticas levaram a Associação de Juízes Federais a sair ontem em defesa do juiz Sérgio Moro, afirmando que a atuação da PF, do MP e do Judiciário foi "estritamente técnica, imparcial e apartidária".
Em suma, a delação premiada é a chance que o bandido tem de agir como mocinho.
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