- O Estado de S. Paulo
Em discurso oficial na solenidade de sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 18 de dezembro, a presidente da República, Dilma Rousseff, "anistiou" as empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobrás, todas indigitadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, declarando que não vai processá-las na forma e para os efeitos da Lei Anticorrupção, por ela promulgada no auge das manifestações de junho de 2013 e em vigor desde 27 de janeiro deste ano.
Trata-se de discurso oficial lido no teleprompter, em que Dilma declarou: "Temos que punir as pessoas, não destruir as empresas. Temos que saber punir o crime, não prejudicar o País ou sua economia. Temos que fechar as portas, todas as portas, para a corrupção. Não temos que fechá-las para o crescimento, o progresso e o emprego".
Isso quer explicitamente dizer que a sra. presidente não vai abrir processos penais administrativos contra as empreiteiras envolvidas nos crimes cometidos na empresa estatal, na conformidade com a Lei Anticorrupção. Com isso incorre a presidente da República no crime de responsabilidade previsto no artigo 85 da Constituição. Literalmente: "São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: (...) VII - o cumprimento das leis".
Ao negar-se a aplicar a Lei Anticorrupção às empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, a presidente reeleita nega o cumprimento de lei federal, em escancarado favorecimento de pessoas jurídicas puníveis nos termos da mesma legislação.
Trata-se de crime de responsabilidade por prevaricação assumida pela própria presidente da República, fato gravíssimo que demanda as providências cabíveis.
Esse movimento de "anistia" das empreiteiras corruptas, que culmina com a explícita declaração da presidente, teve início há meses, conforme noticiários constantes dos jornais, partindo do movimento conjunto dos advogados das empreiteiras junto ao Palácio do Planalto, ao Palácio Jaburu, ao Congresso Nacional, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao procurador-geral da República. Evidentemente que essas iniciativas profissionais mais ou menos explícitas foram apenas uma cortina de fumaça diante da avalanche de pressões irresistíveis que as próprias empreiteiras fizeram junto à Presidência da República, a ministros, parlamentares, etc., naturalmente ameaçando-os de todas as formas para conseguirem a "anistia". E evidentemente que o tom terá sido de ameaça de uma delação premiada no curso do processo penal-administrativo que deveria ser instaurado pela CGU, delação essa que é minuciosamente prevista na Lei Anticorrupção (Capítulo V).
À exceção do procurador-geral da República, que veementemente repeliu essas manobras, os demais titulares dos órgãos atacados pela fúria ameaçadora das empreiteiras superfaturadoras da Petrobrás foram construindo o terreno da "indulgência plena", passo a passo, junto à opinião pública e à mídia.
Assim é que ainda em novembro, na saída de evento em Brasília, o vice-presidente da República, o então presidente do TCU e o líder do PT na Câmara dos Deputados, em coro, disseram que não seria prudente processar as empreiteiras porque "senão o Brasil para".
Mas o grande divulgador e arauto da "anistia plena e irrestrita" tem sido o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, que não perde uma única oportunidade de repetir, em seguidas entrevistas na mídia, dois mantras.
Primeiro mantra: a Lei Anticorrupção ainda não foi regulamentada. Portanto, não poderá ser ainda aplicada.
Segundo mantra: em se tratando das empreiteiras da Petrobrás, somente podem ser punidos por "fatos que nós identificarmos que sejam eventualmente posteriores a 29 de janeiro (deste ano) já estão na incidência desta lei" (sic).
Acontece que somente o parágrafo único do artigo 7 da Lei Anticorrupção demanda regulamentação. Trata ele do regime de compliance, que é de adesão voluntária pelas empresas, nada tendo que ver com os delitos e as penas estabelecidos naquela lei para as empresas corruptas, como é o presente caso das empreiteiras da Petrobrás.
O outro mantra é inacreditável. O titular da CGU quer anistiar as empreiteiras de todos os crimes cometidos em continuidade, a partir de 2004. Somente alguma gorjetinha que tenha sido dada após janeiro deste ano é que seria punível, dependendo, é claro, da "regulamentação" a respeito. A Lei Anticorrupção (artigo 25) expressamente pune os crimes continuados, ou seja, aqueles que, iniciados antes dela, continuaram depois de sua vigência. E os contratos superfaturados não cessaram. Estão em plena "execução", porque nem sequer suspensos foram pela Petrobrás.
Todas essas manobras culminam agora com a "anistia" dada às empreiteiras e fornecedoras da Petrobrás, por discurso da presidente. Desse gravíssimo ato resulta que a União não será ressarcida de todos os valores superfaturados das obras e dos fornecimentos feitos à sua estatal, calculados em mais de R$ 80 bilhões. Resulta mais que não serão aplicadas as multas que a Lei Anticorrupção impõe às empreiteiras que implicitamente já confessaram os delitos praticados, colocando-se como vítimas de seus próprios diretores.
Enquanto isso, nos rádios em todo o Brasil, ouve-se a publicidade do Sebrae alertando as micro, pequenas e médias empresas a se precaverem contra a aplicação da Lei Anticorrupção, devendo, por isso, estudar a matéria e estar preparadas para nela não incidirem. Tomem cuidado!
* Jurista, é autor, entre outros, do 'Livro Negro da Corrupção' (1995, Ed. Paz e Terra, Prêmio Jabuti) e de 'Considerações sobre a Leia Anticorrupção das Pessoas Jurídicas' (Revista dos Tribunais, 2014, no prelo)
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