• O cientista político diz que os governos petistas não sabem dividir o poder com os aliados - e isso está na raiz do petrolão
Guilherme Evelin - Época
O professor da Fundação Getulio Vargas Carlos Pereira formou-se em medicina, mas preferiu seguir carreira acadêmica como cientista político. Tornou-se um arguto analista do funcionamento da política no Brasil. Para ele, o sistema precisa de ajustes, mas é bom porque tem garantido, numa democracia relativamente jovem, estabilidade política, resolução de conflitos sem violência, redução da pobreza, equilíbrio macroeconômico e representação de interesses no jogo político. Num trabalho recentemente apresentado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, ele argumenta que os escândalos se sucedem porque o PT, em seus governos, não tem dividido o poder com seus aliados, regra essencial do presidencialismo de coalizão.
ÉPOCA - Teremos uma tempestade perfeita em 2015?
Carlos Pereira - É muito provável. Embora esteja muito otimista com o Brasil, estou pessimista com o governo. O governo perdeu consideravelmente seu poder no Congresso, apesar de ser majoritário. Há agora uma bancada de oposição não só numericamente mais forte, mas com figuras aguerridas e maior peso político. Existe também um cenário de explosão do maior escândalo de corrupção de nossa história. Será difícil para o governo escapar de ser chamuscado. O receio é que a mesma polarização das eleições seja reproduzida em 2015, num quadro de paralisia da economia, crescimento da inflação e desemprego.
ÉPOCA - A presidente Dilma Rousseff corre risco de impeachment?
Pereira - Esse risco só se tornará real se evidências concretas relacionarem diretamente Dilma ao petrolão. Um impeachment depende também de condições políticas. Falando de um cenário hipotético, diferentemente de Collor, Dilma tem um partido político com base e inserção social. CUT, MST, sindicatos e movimentos sociais sairão em defesa do governo. Esses grupos irão para a rua e alegarão que isso é um golpe, embora a Constituição brasileira pressuponha o impeachment como uma saída legal, diante de conflitos que envolvem crimes de responsabilidade. Já há manifestações de pequeno porte pelo impeachment. Se evidências surgirem, ocorrerão manifestações maiores. Então, os dois grupos entrarão em conflito.
ÉPOCA - Isso pode trazer grande instabilidade para o país?
Pereira - Seria um grande teste para as instituições democráticas. Até que ponto elas estão suficientemente maduras para segurar um processo de impeachment com grande polarização? Esse cenário tende a se tornar ainda mais complicado, porque o PT gerencia de forma ruim suas coalizões. O PT, tradicionalmente, desde quando Lula assumiu a Presidência, preferiu construir coalizões com número grande de parceiros, muito heterogêneos. Eles não têm uma plataforma comum de ação. É difícil coordenar uma coalizão dessas, e o PT ainda tem optado por não compartilhar poder com os parceiros, numa postura monopolista de concentração de poder. Lula alocou 60% dos 35 ministérios no começo de seu governo nas mãos do PT. Seu principal parceiro, o PMDB, só tinha dois ministérios. Depois, conseguiu ampliar, mas continuou subcompensado. O governo Dilma continuou com uma coalizão grande demais, heterogênea e monopolista. Isso gera tensões e animosidades internas. Aí o governo tem de encontrar outros mecanismos de recompensa para esses parceiros. Agora, nessa situação de vulnerabilidade do governo, o preço desse apoio, principalmente do PMDB, aumentará muito.
ÉPOCA - Mas o PMDB será atingido em cheio pelo petrolão.
Pereira - Por isso mesmo, o preço do apoio aumentará. Para que eles continuem unidos sem risco de quebra. Por quase três semanas, o PMDB fez corpo mole em relação à mudança da meta fiscal. Deu um sinal à presidente de que o futuro do governo depende do PMDB. Se ela não percebeu e continuar menosprezando o PMDB e outros parceiros, todos esses atores aumentarão seu poder de barganha, à medida que o governo se fragilizar.
ÉPOCA - Como o senhor acha que o governo reagirá?
Pereira - O governo assumiu uma postura defensiva de transferir responsabilidade. Dilma pegou a bandeira da reforma política para mostrar que a culpa não é do governo, mas do sistema político. O governo também tentará se aproximar cada vez mais da sociedade, com essas saídas plebiscitárias, à medida que, progressivamente, perder apoio no Parlamento e tornar-se refém dos parceiros. É esse cenário bastante negativo que vejo para o governo, mesmo que não surjam vinculações diretas entre Dilma e o petrolão. O governo ficará muito vulnerável, reagindo ao turbilhão de denúncias que não para.
ÉPOCA - No primeiro mandato, a presidente Dilma mostrou quase nenhuma aptidão para esse jogo político com o Congresso.
Pereira - Ela se mostrou, com certeza, uma péssima gerente da coalizão. Criei um índice de custo de governo. Calculei todos os custos que o Executivo tem com seus aliados - com cargos, ministérios e emendas parlamentares no Orçamento, desde 1994 (começo do governo Fernando Henrique Cardoso) até agora. Esse custo vem crescendo exponencialmente. O índice tem três variáveis: tamanho da coalizão, heterogeneidade ideológica e capacidade do governo de compartilhar o poder com os parceiros. O resultado foi claro: quanto maior a coalizão, quanto mais heterogênea ela é e quanto menos poder é compartilhado, maior é o custo de governar. Também dividi a variável custo pelas iniciativas do Executivo aprovadas no Congresso. Na série histórica, o governo mais ineficiente é da Dilma. Ela gasta muito e consegue aprovar o mínimo possível. Se você não gerencia bem a coalizão, não escolhe bem os aliados, não tem uma agenda em comum com eles nem compartilha poder, não adianta gastar mais. Não conseguirá mais apoio.
ÉPOCA - Dilma, no segundo mandato, poderá mudar a gestão política, como deu a entender que mudará na economia?
Pereira - A indicação do Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda não foi um movimento para a coalizão. Foi um movimento para os eleitores. A sociedade ficou dividida nas eleições sobre duas crenças. A primeira, claramente favorável à proteção e à inclusão social, foi encarnada pela candidatura dela. A candidatura de Aécio Neves encarnou fundamentalmente os princípios de equilíbrio macroeconômico. A sociedade queria as duas coisas. Nenhuma das candidaturas ofertou as duas ao mesmo tempo. Por isso, a margem de vitória dela foi tão pequena. Ela sabe disso e que enfrentará um ano difícil. Se não desse um sinal para esse eleitorado perdedor, as condições de governo ficariam piores. A indicação de Levy foi menos uma concessão à gestão da coalizão e mais sinal de sobrevivência política depois de uma eleição muito competitiva. Com relação à gestão da coalizão, espero que ela aprenda com os erros do passado. Mas nada me leva a achar que ela mudará de postura.
ÉPOCA - Por que o senhor está então otimista com o Brasil?
Pereira - Estou otimista com a evolução e a maturidade das instituições, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal. São tantos grupos capazes de identificar malfeitos que mesmo pessoas muito ricas e muito poderosas não são capazes de subornar segmentos dessas instituições de controle. Isso mostra a grande solidez das instituições democráticas.
ÉPOCA - Apesar disso, o petrolão ressuscitou a discussão sobre uma reforma política. Critica-se o presidencialismo de coalizão.
Pereira - Quando o modelo é bem gerido, o custo é baixo. Já tivemos governos anteriores que geriram bem. O governo Fernando Henrique Cardoso montou uma coalizão de apenas quatro parceiros: PSDB, PFL, PTB e PMDB. Os quatro tinham uma agenda parecida de centro-direita, a favor da privatização, do controle inflacionário, da modernização da economia. Todos falavam a mesma linguagem. FHC levou em consideração o peso de cada um desses partidos no Congresso para alocar ministérios e cargos. Isso comprometeu os partidos com seu governo. Com a chegada de Lula e o desrespeito a essa regra de ouro da gestão de coalizão -dividir poder levando em consideração o peso de cada um -, surgiu progressivamente a necessidade de criar moedas de troca heterodoxas. O mensalão foi isso, assim como o petrolão. Esses escândalos de corrupção ocorrem nos governos petistas pelo não entendimento de como funciona o presidencialismo de coalizão. Existe, no âmago do PT, uma dificuldade de entender que é necessário compartilhar poder para que o presidencialismo de coalizão funcione bem. O PT, diferentemente de outras siglas brasileiras, tem muitas facções. Parece muito o partido peronista argentino. Tem vários grupos que fúncionam como partidos dentro do PT. O PT prefere ser proporcional com as facções internas e desproporcional com os parceiros externos da coalizão. Só que são os parceiros externos que têm peso político no Congresso. Ao fazer isso, o PT precisa arrumar outras moedas, como o petrolão e o mensalão, para fazê-los felizes. Como há muitos escândalos, a percepção da opinião pública é que há algo de errado no sistema político. O problema é de gestão. Não está no desenho do sistema. Ele tem falhas e precisa de ajustes, mas funciona relativamente bem. Se tivéssemos um grupo político que entendesse melhor o presidencialismo de coalizão, os problemas seriam menores.
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