“Não deve ter outra origem a ideia de ocupação e loteamento do poder, a cooptação da direita tradicional e praticamente todos os seus representantes, bem como a criação artificiosa de uma "direita" com os pesados atributos de neoliberal, machista, racista e nostálgica do regime militar. Numa circunstância, como a brasileira, instável e sujeita a surtos de populismo, como de resto pode ocorrer a todas as democracias do nosso tempo, chega a ser irresponsável chamar de "direita" todo aquele que diverge ou critica, mesmo pertencendo evidentemente ao campo democrático.
No regime ideológico inflacionado, palavras e gestos se desgastam e se usam de modo instrumental. O punho cerrado, símbolo do comunismo histórico, pode ser erguido, no Parlamento, só para afrontar o chefe de um outro poder. Não há nenhuma ação verdadeira que ajude a formar a opinião pública: discute-se, em vez disso, a desinência gramatical da palavra "presidente". Estes e outros exemplos seriam apenas bizarrices, não viessem de um partido poderoso, com altas responsabilidades na República, e não denunciassem um gosto por operar à beira do abismo em que, à moda de Drummond, o diabo joga damas com o destino.”
Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'Obras' de Gramsci no Brasil. O Estado de S. Paulo, 23 de novembro de 2014.
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