No afã de defender um cliente, principalmente quando as suspeitas levantadas contra ele não parecem descartáveis, às vezes um advogado cede à tentação de diluir perante a opinião pública a presumível responsabilidade por ilícitos penais de quem o contratou com o argumento de que ele, se não fosse inocente, de forma alguma seria o único a merecer as atenções da Justiça. Em português corrente, equivale a dizer, com ar de desafio: "Sou, sim, mas quem não é?". Tome-se o caso do patrono do cidadão Fernando Soares, o lobista profissional mais conhecido como Fernando Baiano.
Ele foi apontado nas delações premiadas do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e de seu comparsa, o doleiro Alberto Youssef, como intermediário no esquema de pagamento de propinas por empresas interessadas em negócios com a Petrobrás. Trabalharia para o PMDB, o que o partido negou enfaticamente. Um dos 24 suspeitos de participar do escândalo, cuja prisão foi decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, estava foragido desde o dia 14. Terça-feira, entregou-se à Polícia Federal no Paraná. O criminalista que o representa, Mário de Oliveira Filho, alega ter outra avaliação do "empresário".
Os atos de seu cliente seriam os de alguém "que descobre um problema de infraestrutura e vai atrás da empresa que tem a solução, recebendo uma porcentagem absolutamente legítima disso", afirma. Mas não exclui por definição a possibilidade de Soares ter feito uma "composição ilícita" com um político "para pagar alguma coisa". E aí Oliveira Filho desandou a dissertar sobre "a cultura política do País", da qual os empreiteiros encarcerados seriam vítimas. Isso porque, se o candidato a um negócio com a área pública não pagar pedágio aos políticos que fazem a ponte com a Administração, "não tem obra".
Caso alguém ainda não tivesse captado o espírito da coisa, aprofundou a sua teoria. "Pode pegar qualquer empreiterinha e prefeitura do interior do País", sugeriu. "Se não fizer acerto, não coloca um paralelepípedo no chão." A cobrança e o pagamento de pedágio seriam, portanto, verso e anverso da moeda única das relações entre o Estado e o setor privado. (Na mesma linha, o vice-presidente da construtora Mendes Júnior, Sérgio Mendes, disse à Polícia Federal que em 2011 teve de pagar R$ 8 milhões à dupla Costa & Youssef para conservar o contrato da obra da quinta maior refinaria brasileira, a Repar.)
Dito de outro modo, se a corrupção fosse inexorável como sustenta o advogado, associando-se a todos quantos supõem que o Brasil "não tem jeito", ou porque os brasileiros são assim mesmo ou assim é o Poder Civil, a sociedade já teria se desmanchado sob a força desagregadora da bandalheira endêmica. A corrupção, evidentemente, não é pouca nem concentrada. Mas tampouco se pode perder o senso de proporção. Leituras, ainda que infrequentes, do noticiário internacional bastariam para enxergar o Brasil em posição menos vexaminosa, por exemplo, do que a África do Sul, a China, a Índia e a Rússia - para citar, em ordem alfabética, nossos parceiros do Brics, deixando de lado os regimes cleptocráticos pelo mundo afora.
E o mais importante não é nem isso. Todos os dias úteis, dezenas de milhões de brasileiros voltam para as suas famílias depois de extenuante jornada de trabalho, sem que em algum momento durante os seus afazeres tenham se abrigado na fantasia pervertida de serem comprados para cometer um ilícito contra o patrão ou o governo. Não é por inveja que o homem da rua abomina quem corrompe e quem acede de bom grado a ser corrompido. E seria fazer pouco-caso de sua inteligência presumir que ele se deixa enrolar por alegações de grandes empresários como os alcançados pela Operação Lava Jato.
Afirmam em sua defesa, como o advogado Oliveira Filho em relação ao universo de seu cliente Fernando Soares, que são extorquidos pelos políticos e à extorsão se submetem, do contrário não sobreviveriam no mercado. É um caso antológico de meia-verdade. O pedágio de que eles não têm escapatória voltará aos seus cofres, com robustos acréscimos, mediante o superfaturamento dos contratos, em conluio com o contratante. Perdedor mesmo só há um: o contribuinte.
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