• Renan Calheiros e Eduardo Cunha estão em litígio com o governo. Isso quer dizer que ninguém, nem Temer, pode garantir nada a Dilma sem aval dos dois
Jorge Bastos Moreno – O Globo
BRASÍLIA - Criados na e pela ditadura, o MDB e a Arena pareciam verso e anverso de uma mesma moeda. Mas não eram. Um representava a oposição consentida, o outro, a sustentação civil do regime autoritário. Internamente, porém, o MDB repetia o sistema bipartidário do regime, dividindo-se entre “autênticos” e “moderados”. No centro dele, funcionando como um pêndulo entre as duas correntes, estava a lendária figura de Ulysses Guimarães. Ele e Tancredo Neves simbolizavam a chamada cúpula emedebista.
Como um sempre foi contraponto do outro, Ulysses, na prática, servia mais aos “autênticos” do que aos “moderados”, estes sempre apadrinhados por Tancredo. Nos momentos mais decisivos do partido — como no lançamento da anticandidatura, em 1973, e no fechamento de questão da reforma do Judiciário, que resultou no “pacote de abril”, no fechamento do Congresso e na cassação do líder Alencar Furtado —, Ulysses se aliou aos “autênticos” para dar um cavalo de pau nos moderados de Tancredo. Mas, quando as coisas ficavam feias e a ditadura ameaçava arrochar ainda mais, o “velho timoneiro”, como Ulysses era chamado, conduzia todo o partido para a moderação.
A melhor definição para essa situação me veio na primeira entrevista concedida por Jânio Quadros, ainda na ditadura. Perguntei-lhe o que ele achava do MDB, e o ex-presidente me devolveu com outra pergunta:
— A que MDB o senhor se refere? Ao MDB de Ulysses Guimarães, “o prosador das arcadas” (do Largo de S. Francisco)? Ao MDB das antessalas palacianas? Ou ao MDB de comunas descarados?
“Comunas descarados”, para Jânio, eram os “autênticos” de Marcos Freire, Chico Pinto e Lysâneas Maciel, entre outros. Os da “antessalas palacianas” foram, mais tarde, batizados por Fernando Henrique Cardoso de “arenosos” — os “moderados” que flertavam com a ditadura.
De lá para cá, o MDB virou PMDB, mas suas divisões continuaram. Várias legendas saíram das suas costelas. Claro, na ditadura, era uma frente partidária, que ia da esquerda à direita. Mas o partido, em vez de se definhar, tomou corpo, principalmente no início da democracia, quando elegeu, no governo Sarney, 22 governadores e as maiorias da Câmara e do Senado, no discutível estelionato eleitoral do Plano Cruzado.
Dando um salto histórico, o PMDB de hoje conserva o ranço da sua origem. Mas a divisão do seu comando é totalmente caótica e circunstancial. Prevalece ainda a histórica divisão entre o PMDB da Câmara e o do Senado, mas numa situação muito diferente: os tentáculos de Eduardo Cunha se estendem pelo Congresso todo, ou seja, chegam até o quintal de Renan Calheiros. O presidente do partido — que acumula a função com a de vice-presidente —, ao contrário de Ulysses, que viveu a mesma situação no governo Sarney, procura ser mais leal à presidente Dilma do que ao PMDB, inversamente proporcional ao tratamento recebido por parte da chefa do Poder Executivo.
Tudo isso acima foi escrito para tentar explicar como decide o colegiado do PMDB hoje: tanto Renan quanto Cunha estão em permanente litígio com o governo. Isso quer dizer que ninguém, nem Temer, pode garantir nada a Dilma, sem o aval dos dois. Renan e Cunha mantêm suas diferenças, o que torna ainda mais instável e imprevisível a situação dentro do partido.
Portanto, quando Lula pede a Dilma que a interlocução do governo com o Congresso Nacional seja feita preferencialmente por representantes do PMDB no Congresso, o faz sem levar em consideração a realidade de que o partido cansou de ser a legenda das “antessalas palacianas” de que nos falava Jânio, e quer se descolar do Executivo para seguir carreira solo.
Em tempo: Jânio Quadros, já na democracia, tentou se filiar ao PMDB via Orestes Quércia, mas foi vetado pela maioria do partido.
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