• Em nove meses houve consertos e avanços importantes
- Valor Econômico
Nove meses de notícias ruins na economia e na política, cuja degradação do governo Dilma Rousseff é a face visível da crise em que o país se meteu, dificultam um olhar desapaixonado sobre o que foi feito nesse período e que, em condições normais, estaria ajudando a economia a se reerguer. Nem tudo é tragédia. Houve consertos importantes da pesada herança recebida do primeiro mandato de Dilma.
A depreciação da taxa de câmbio no ano se equipara a uma maxidesvalorização do real frente ao dólar. A última cotação (Ptax) de 2014 foi de R$ 2,65 e ontem fechou a R$ 3,97. A moeda doméstica teve depreciação de 33,25% entre dezembro do ano passado e ontem. Com esse preço o país ficou barato e as importações se tornaram proibitivas, o que resulta em um rápido ajuste das contas externas.
Os preços monitorados de energia, gasolina, diesel e transportes urbanos, entre outros, que foram represados até 2014 para segurar a inflação, se encontram hoje alinhados, ainda que tenham levado a inflação para quase 10% em 12 meses e a taxa de básica de juros para 14,25% ao ano.
A desastrada reforma do setor elétrico, que custou ao país mais de R$ 100 bilhões, foi parar na conta de luz do consumidor, que teve aumento, este ano, de mais de 50%. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, promoveu um choque de preços para recuperar as defasagens. O reajuste da gasolina e do diesel, esta semana, seria uma demonstração de que haverá "realismo tarifário", segundo fontes oficiais.
A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) - referência para os empréstimos do BNDES - após ficar estacionada em 5% ao ano em 2013 e 2014, teve quatro aumentos e é de 7% ao ano. Reduziu-se, assim, o tamanho do subsídio com o qual o Tesouro Nacional tem que arcar.
Uma das principais batalhas de Levy foi estancar a sangria de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES emprestar a juros módicos. Foram transferidos R$ 571 bilhões para os bancos públicos, de acordo com o Banco Central. Desse total, o BNDES recebeu R$ 516,9 bilhões, cujos empréstimos vão, por anos, gerar uma conta exorbitante em subsídios.
O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que absorveu boa parte dos recursos do BNDES, passou por uma revisão geral no início do ano. A taxa média para as operações contratadas a partir de janeiro subiu de 3,93% para 7,93% ao ano. Eliminou-se, assim, o custo decorrente da equalização de taxa de juros. Foram aprovadas as medidas que restringiram o acesso ao abono salarial, ao seguro-desemprego e a pensão por morte, que cresciam aceleradamente e sem justificativa razoável.
A desoneracão da folha de salário para 56 setores da economia, que tornou-se permanente no ano passado como medida puramente eleitoral, teve que ser revista. Seu custo, como ficou claro, é totalmente desproporcional aos supostos benefícios.
O governo melhorou as taxas de retorno das concessões e ampliou o seu alcance; iniciou as conversas para um acordo comercial com o México, em um passo na direção de maior abertura da economia; e colocou ordem nos programas educacionais como Fies, Ciência sem Fronteiras e Pronatec. Até então esses programas não tinham um orçamento definido nem controles sobre o crescimento da despesa. Atendia-se à demanda.
A faxina promovida nas "pedaladas" das contas do Tesouro de janeiro para cá é notável. Até agosto foram pagos R$ 20,07 bilhões em subsídios e subvenções, sendo R$ 7,498 bilhões por conta do PSI. De janeiro a agosto de 2014, a Fazenda pagou apenas R$ 6,78 bilhões dessa despesa, sendo que, do total, somente R$ 117,2 milhões eram relacionados ao PSI.
No ano passado o Tesouro Nacional estava se apropriando de parte da complementação do FGTS, tanto que só repassou para o fundo R$ 439,4 milhões entre janeiro e agosto. No mesmo período de 2015, o repasse ao FGTS atingiu R$ 4,01 bilhões.
O total da despesa conhecida com a regularização dos pagamentos é de R$ 16,86 bilhões, ou 0,29% do PIB (estimado em R$ 5,797 trilhões). Esse montante é superior ao déficit primário de R$ 14,884 bilhões do governo central de janeiro a agosto. Haveria um pequeno superávit primário se o Tesouro não tivesse regularizado o fluxo de despesas.
Nem tudo, portanto, foi derrota. Avanços relevantes, embora insuficientes, foram obtidos mesmo diante de uma forte recessão que fez as receitas da União minguarem 4,8%, em termos reais. Falta, no entanto, parte importante do ajuste. Não há clareza sobre a trajetória da dívida/PIB nos próximos anos nem certeza de que o governo, que começou concordando com o programa do ministro da Fazenda, persistirá nesse caminho, ou se desviará dele.
Foram muitos os ruídos na direção da política fiscal, idas e vindas, mudanças de metas e a tormenta política que não deu trégua desde a abertura do ano legislativo, em fevereiro. Sem clareza de rumos, a confiança não veio e a recessão se aprofundou.
Nesse momento, o debate sobre buscar atalhos para o crescimento econômico está presente. Mesmo depois da experiência decepcionante que foi a política econômica de 2012 para cá, quando o "desenvolvimentismo" testou seu receituário e levou o país à crise de hoje.
Lula, que conduz as negociações da reforma ministerial em busca de apoio contra o "impeachment" de Dilma, no seu discurso dúbio estimula as incertezas. Fala em expansão do crédito e do consumo para o país sair da recessão. Como se as famílias já não estivessem por demais endividadas e os bancos públicos, usados como instrumento de oferta de crédito nos anos passados, já não estivessem transbordando os seus limites.
Foram as divergências na área econômica do governo e a indisposição do Congresso em garantir o ajuste para 2016 que levaram o país a perder o grau de investimento, segundo decisão da Standard & Poor's. O risco de as demais agências de rating fazerem o mesmo continua. O país não sairá do atoleiro enquanto prevalecer a ambiguidade.
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