sexta-feira, 2 de outubro de 2015

César Felício - Velhas ferramentas, sempre disponíveis

• De crise em crise, subsiste a mesma moeda de troca

- Valor Econômico

Em meio a mais uma reforma ministerial, o deputado Miro Teixeira, parlamentar desde 1970, exceto por uma legislatura, comentava sobre o caráter circular da política. A roda da história gira lentamente, e no fundo subsiste a monotonia no vendaval constante.

Em 1993 o então governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola estava diante de um problema: um escândalo na Secretaria de Saúde comprometia a imagem de sua administração e poderia levar à rejeição de suas contas de governo. A Assembleia Legislativa do Rio era presidida por um desafeto: o deputado José Nader, expulso do PDT no primeiro ano de gestão brizolista. Nader era uma figura cercada por suspeitas, que detinha um poder obscuro sobre um grupo de cerca de 30 deputados estaduais.

Chamado de caudilho até por aliados incondicionais, Brizola se notabilizou em seis décadas de atividade política pela tática do confronto e de ir ao limite da extrema tensão. Uma de suas biografias recentes mostra em sua capa uma foto do político sorridente, pulando sobre uma fogueira acesa. Naquele momento do embate com Nader, Brizola cedeu. Montou um governo de coalizão e doou exatamente a Secretaria de Saúde para o grupo influenciado por Nader. As contas terminaram aprovadas.

A Secretaria da Saúde entrou no bazar da negociação política no momento em que se estruturava no país o Sistema Único de Saúde, com problemas complexos como o da estadualização de hospitais federais, entre outros. Brizola preservou-se do ponto de vista institucional, mas sua gestão na área foi um dos vetores para a redução do seu prestígio no Estado, já na eleição de 1994.

O então presidente da Assembleia não fazia parte da oposição ao brizolismo, tampouco era aliado. Era um "independente", líder de um dos "centrões" da vida parlamentar, que sempre se formam diante de governantes que, por uma razão ou outra, se mostram frágeis. São caciques que tomam de assalto a máquina legislativa, em troca de favores comezinhos ou da viabilização de campanhas eleitorais.

Brizolista militante à época, Dilma Rousseff se viu na contingência de entregar o Ministério da Saúde ao PMDB, em uma reforma ministerial que tem como mantra o bloqueio do impeachment, tese que pode ser vitaminada caso as contas de 2014 sejam rejeitadas pelo TCU.

A Suíça tornou nebuloso o destino do deputado Eduardo Cunha, dirigente de um clube que não tem 30, mas 200 deputados. Até o momento em que se confirmou que o Ministério Público da Suíça o investiga, o grupo influenciado pelo parlamentar estava garantido à frente da pasta que cuida da área apontada como o principal problema do país pela maioria dos brasileiros.

Ainda é Cunha que pode despachar o pedido de impeachment assinado por Hélio Bicudo e patrocinado pela oposição nos próximos dias, como promete.

As relações pessoais construídas pelo presidente da Câmara entre seus pares lhe dão força suficiente para testar a blindagem contra cargas pesadas de artilharia. Mas seu cacife como um líder capaz de dar segurança institucional a Dilma pode diminuir com a correspondência que está chegando à Procuradoria-Geral da República.

Assim pelo menos pensa um líder pemedebista mais próximo ao Planalto. "No PMDB ninguém manda em ninguém", frisa esta liderança, que observa que a multiplicação de pastas pode ser mais um gesto tardio de Dilma. O novo ministro da Saúde, Marcelo de Castro (PI), era tido como aliado fiel até sua rebeldia contra Cunha na discussão da reforma política. Mas o presidente da Câmara não o vetou no momento em que se tornou um dos indicados da bancada. Indissociavelmente ligado a Cunha é o novo ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, acusado na CPI da Petrobras pelo doleiro Alberto Youssef de ser um "pau mandado".

A manobra de Dilma em direção ao PMDB não difere essencialmente em seus propósitos de outra negociação, a de meados de 2005, na sequência do escândalo do mensalão, que teve a própria presidente como atriz coadjuvante. Na ocasião, José Dirceu foi forçado a abandonar a Casa Civil e substituído por Dilma, que estava no Ministério de Minas e Energia. Lula entregou a pasta que Dilma comandava ao PMDB do Maranhão, na figura de Silas Rondeau.

A crise política do mensalão ainda pioraria muito mais nas semanas subsequentes, mas o governo federal teve força suficiente para eleger Aldo Rebelo presidente da Câmara em setembro daquele ano, quando Severino Cavalcante teve que renunciar às pressas. O impeachment tornou-se uma hipótese descartada a partir daquele momento.

Curioso é notar que, na reformulação ministerial feita por Lula, o então presidente substituiu o petista Humberto Costa para entregar ao PMDB, na pessoa do deputado Saraiva Felipe, o Ministério da Saúde, espécie de moeda preferencial de troca em situações de apuro.

O traço distintivo entre a transação de agora e as feitas no governo do Rio nos anos 90 e na Presidência há dez anos é o calendário eleitoral. Vivia-se nas outras situações a perspectiva de uma eleição geral a se realizar no ano seguinte, em que a participação no governo garantia não apenas sua continuidade, mas a perspectiva de uma aliança eleitoral futura.

Uma mudança no primeiro ano do governo se justifica quando a conformação de forças que garantiu a eleição deixa de valer. A crise econômica, disputas de poder entre aliados e escândalos pontuais fizeram Fernando Henrique trocar os titulares de sete ministérios no sétimo mês de seu segundo mandato, em 1999. Mas o presidente era um eixo de poder: havia conseguido conter a tentativa da oposição de articular seu impeachment, semanas antes, e procurava reforçar o PSDB no Executivo, ante a disputa entre o PFL e PMDB pelo Legislativo.

Mais do que seus antecessores, Dilma depende do grupo pendular presente em todo Congresso. Coube à presidente mais avessa ao meio político e partidário da história recente brasileira mergulhar tão fundo como os outros nos desvãos do Parlamento.

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