O Globo
Com a decisão do governo de contestar qualquer decisão dos tribunais de controle, e até mesmo recorrer de recomendação como a do Tribunal de Contas da União (TCU), que não decide nada, apenas indica ao Congresso a situação das contas públicas da Presidência da República, estamos entrando num terreno perigoso de judicialização que pode revelar interferências indevidas do Poder Executivo no Judiciário.
Mesmo não sendo parte do Poder Judiciário, e sim um órgão auxiliar do Poder Legislativo, o TCU abriga um corpo técnico reconhecidamente de primeira qualidade, e não é possível identificar em suas análises um viés político.
O relatório apresentado pelo ministro Augusto Nardes é baseado no trabalho da assessoria técnica, e o governo teve todas as condições para rebatê-lo, até mesmo prazos que não estavam previstos na legislação.
O máximo que conseguiu foi tentar mostrar que outros governos agiram da mesma forma, e admitiu que cometeu irregularidades quando, por conta própria, apresentou uma legislação coibindo o que considerava legal até aquele momento.
O governo pretende ir até mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF) se, como tudo indica, seu desejo de impugnar o relatório do ministro Nardes não for acatado pelo TCU.
Essa atitude atrabiliária do Planalto, convocando três ministros de Estado num domingo para anunciar uma ação contra um ministro do TCU, só aumenta a sensação de que não resta mais nada ao governo para defender-se das acusações de ter cometido crimes de responsabilidade, a não ser tentar postergar as decisões das Cortes de controle através de recursos protelatórios.
Há outros recursos já prontos para as diversas instâncias em que o mandato da presidente Dilma estará sendo questionado. Depois de superado o obstáculo no TCU, o parecer rejeitando as contas do último ano do primeiro mandato de Dilma chegará ao Congresso, subordinado ao seu presidente, senador Renan Calheiros, levado a essa posição por uma decisão do STF que definiu que, a partir de agora, as contas governamentais têm de ser analisadas pelo Congresso, e não mais pela Câmara como sempre foi feito.
Uma comissão mista de orçamento analisará o parecer do TCU em até 90 dias. Depois, caberá a Calheiros definir quando o colocará em votação. A análise de um pedido de impeachment também dependerá de diversos recursos judiciais para ser concluída.
A oposição pretende se utilizar do pedido encabeçado pelo jurista Hélio Bicudo para tentar abrir o processo, mesmo sem a votação do processo do TCU pelo Congresso, baseado apenas na sua conclusão, o que certamente enfraquecerá o movimento.
Mas, se o pedido for aberto com votação de uma maioria simples do plenário, como permite o regimento interno da Câmara, há governistas já preparados para contestar a decisão no Supremo, alegando que a votação para o impeachment exige um quorum qualificado de 2/ 3, segundo a Constituição.
Há ainda o debate, que deve chegar ao plenário do STF, sobre se as famosas “pedaladas fiscais” e decretos para gastos sem autorização do Congresso podem ser usados contra a presidente, pois foram feitos no primeiro mandato.
Uma leitura direta do texto constitucional leva a crer que apenas os atos praticados no decorrer do mandato podem ser sancionados, mas a legislação foi feita antes de o instituto da reeleição ter sido aprovado, e há juristas que defendem a tese da “continuidade administrativa” para permitir a punição ao presidente reeleito por atos cometidos no mandato anterior.
Com relação ao processo no Tribunal Superior Eleitoral, que deve se retomado ainda esta semana, haverá também diversos recursos se a maioria dos ministros, ao final do julgamento, considerar que houve abuso de poder econômico e político na reeleição da chapa Dilma-Temer.
Mesmo com as delações premiadas revelando que muitos financiamentos da campanha foram feitos à base do dinheiro desviado da Petrobras, especialmente a de Ricardo Pessoa da UTC que se refere especificamente à campanha de 2014, há ministros que consideram impossível o TSE provar a veracidade da delação, já que as doações foram feitas “legalmente” e registradas no TSE, como reafirma sempre o PT.
Seria preciso uma “fratura exposta”, na definição de um dos ministros da Corte, para permitir a condenação. Mesmo que a Operação Lava-Jato forneça novos dados, existe uma série de recursos que podem ser feitos no mesmo Supremo Tribunal Federal. Corremos o risco de termos no governo uma presidente sub judice em agonia permanente, e um sistema judiciário posto sob suspeição.
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