- O Globo
Há sutis melhoras à frente; possibilidades vagas que nascem muitas vezes do agudo da crise. Mas é bom falar nelas em momento de escassez de esperança. “A inflação será forte neste ano, mas a recessão vai derrubá-la no ano que vem”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros. A recessão e a disparada do câmbio estão fazendo o ajuste externo, e o país pode ter dois anos de superávits altos.
Mendonça de Barros projeta o saldo da balança comercial de 2015 para US$ 14,4 bilhões e o dobro disso para 2016: US$ 30,2 bilhões. Para se ter uma ideia, no ano passado, o déficit em transações correntes foi de 4,5% do PIB, US$ 100 bilhões de reais. A previsão é o déficit encolher para em torno de 1,5% do PIB ou US$ 40 bilhões.
Nos dados divulgados pelo governo sobre o comércio externo de setembro fica claro que o superávit foi conseguido com queda forte nas importações, que ficaram proibitivas com o dólar perto de R$ 4. Por outro lado, houve itens da pauta de exportação cujo preço caiu muito, pelo efeito China, e, mesmo assim, as vendas aumentaram em volume, o que mostra a persistência do exportador brasileiro:
— Uma visão cética é considerar que o saldo vem apenas do desmonte das importações, mas o superávit estava começando a acontecer mesmo antes da última alta do dólar e alguns setores estão aumentando o volume exportado. Dentro das empresas estão sendo feitos projetos de exportação.
Claro que o câmbio nesse valor ajuda nos projetos. Uma multinacional está trazendo para o Brasil toda a linha de produção do que fornece para a América Latina na área de eletrônicos, vi outro caso semelhante em uma empresa do setor automobilístico. Leva um tempo para maturar. As empresas que estão se movimentando são principalmente as multinacionais.
Mendonça de Barros tem também conversado com empresas estrangeiras que estão com liquidez e se preparam para comprar participações de companhias brasileiras que estão com dificuldades por vários motivos:
— Esse processo de consolidação que ocorrerá em alguns setores, como açúcar e álcool, vai aumentar a produtividade da economia.
O economista concorda que a crise é grave, até por envolver problema fiscal com impasses políticos, mas está convencido que a própria queda da economia pode ajudar na recuperação:
— A inflação cairá, mas, infelizmente, a golpes de recessão. Com o aumento do superávit comercial, haverá uma melhora substancial da conta-corrente, o que consolidará a ideia de que não há falta de dólar no Brasil e o câmbio pode se estabilizar.
Ele era apontado antes como um dos economistas mais pessimistas do mercado, em suas projeções de recessão para este ano. Agora, suas estimativas iniciais foram superadas: a realidade é bem pior do que o que foi previsto. Mas ele hoje trabalha com um cenário de uma crise “profunda e curta”:
— Ela será profunda, a economia caiu mesmo, e a inflação está perto de dois dígitos, mas não será uma crise longa como a dos anos 1980, será uma crise mais curta. O país continuará em recessão no ano que vem, mas pode voltar a crescer em 2017 dependendo, claro, da equação política.
Ele acha que nada disso vai resolver se o país não tiver um plano para enfrentar os problemas mais estruturais.
— É inevitável que haja uma reforma da Previdência com o estabelecimento de idade mínima de aposentadoria e que diminua a tendência ao aumento das despesas. O país tem que levar a sério a agenda da reforma do Estado, assunto que foi falado rapidamente pela presidente na mudança de ministério, e bem ou mal entrou na conversa e é necessário mesmo ser encarada. É preciso, também, fazer melhorias regulatórias mínimas, combater fraudes. Há uma série de tarefas para serem feitas para garantir o médio e longo prazo.
Mas o economista da MB Associados lembra que há um longo vale para ser atravessado nos próximos meses, em que os indicadores serão ruins e o ambiente, pessimista, pelo aumento da inflação, queda do nível de atividade, aumento do desemprego e incerteza econômica e política. Em um ambiente assim, resta mesmo ressaltar as pequenas notícias positivas, como a da melhora da balança comercial e a esperança de que a inflação não prospere.
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