terça-feira, 6 de outubro de 2015

Manobra protelatória – Editorial / Folha de S. Paulo

• Governo Dilma tenta adiar o exame das contas de 2014 pelo TCU, o que não deve impedir uma inédita e merecida derrota no tribunal

Concluída a reforma ministerial com a qual angariou algum fôlego político, a presidente Dilma Rousseff (PT) lançou-se à inglória tarefa de obstruir o exame das contas federais de 2014 pelo TCU.

A estratégia, posta em andamento nesta segunda (5), consiste em pedir formalmente ao Tribunal de Contas que examine a alegada suspeição do ministro Augusto Nardes, encarregado de relatar o processo –que já teria, em entrevistas, indicado a intenção de votar contra o Palácio do Planalto.

Tanto a argumentação de agora carece de substância, sabe o governo, quanto permanecem remotas as chances de um resultado diferente da derrota no desenlace do processo. Não por acaso, cogita-se um recurso ao Supremo Tribunal Federal contra o resultado do julgamento, a princípio agendado para quarta-feira (7).

Data de abril a aprovação unânime pelo plenário do TCU de relatório que considerou criminosas as manobras conhecidas como pedaladas fiscais, às quais se recorreu em proporções insólitas nos anos passado e retrasado. Desde então, o pendor dos ministros pela rejeição das contas, inédita na história, tornou-se uma obviedade.

Motivos, saliente-se, há de sobra.

Afirma a administração petista que a prática da pedalada –o uso de dinheiro de bancos estatais para custear programas da alçada do Tesouro– remonta aos governo FHC (1995-2002) e Lula (2003-2010). Tal tese deve ser examinada, no entanto, à luz das cifras e motivações envolvidas.

Num exemplo, apenas em desembolsos do seguro-desemprego o artifício somou R$ 3,6 bilhões em 2013 e R$ 3 bilhões em 2014. Antes de Dilma, conforme dados publicados por esta Folha, o montante médio anual entre 1999 e 2010 não passou dos R$ 300 milhões, em valores corrigidos.

Além da escala disparatada, o expediente se combinou a outros que permitiram ao governo evitar um contingenciamento orçamentário durante a campanha eleitoral, quando a arrecadação já prenunciava seu declínio. Para isso acorreram sucessivas projeções oficiais irrealistas de receitas e despesas.

Diante do acúmulo de evidências, um recuo do TCU é mais que improvável; a ofensiva protelatória tende até a acirrar os ânimos na corte. Mas um atraso da análise da decisão pelo Congresso pode ser útil à presidente.

Até o veredito, podem-se articular aliados contra o avanço de um processo de impeachment. São muitas e pertinentes, aliás, as dúvidas nos meios político e jurídico de que as infrações na gestão do Orçamento, por graves que sejam, justifiquem interromper um mandato conquistado nas urnas.

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