• Repatriar recursos é boa iniciativa, mas impõe atenção com espertezas que contrariem os reais objetivos da proposta
A repatriação de recursos enviados ilegalmente por brasileiros ao exterior é um tema tão recorrente quanto espinhoso na administração pública. Até porque nem sempre é tarefa simples, primeiro, determinar o volume de recursos que saíram de maneira ilegal do país, e, segundo, distinguir, nesse certamente bilionário montante, o que corresponderia a chamados desvios tributários (por exemplo, verbas de origem lícita, mas não declaradas à Receita Federal) de ganhos oriundos de atividades criminosas, como lavagem de dinheiro, fraudes financeiras, tráfico de drogas, caixa 2 e outros meios de que trata o Código Penal brasileiro.
Ainda assim, são recursos que sangram o caixa do país — logo, factíveis de serem repatriados, sem prejuízo das sanções cabíveis. Neste momento em que o governo federal busca reequilibrar as contas, a repatriação de divisas que atravessaram fronteiras ao largo do Fisco é uma das fórmulas do Planalto para reforçar o caixa da União, pela via do estímulo à regularização de débitos — que teria como contrapartida a renúncia, do poder público, a processos administrativos contra responsáveis por evasão fiscal e sonegação. Em suma, uma anistia na esfera judicial.
No início de setembro, o Planalto enviou ao Congresso um projeto de lei (PL 2.960/15) para incentivar a regularização de ativos enviados de forma ilegal para bancos estrangeiros e paraísos fiscais. Pela proposta original do Poder Executivo, extingue-se exclusivamente a punição de crimes fiscais (sonegação, evasão de divisas e falsificação de documento público, ou seja, fraudes na declaração do imposto de renda). O texto ainda estabelece que a repatriação dos recursos implicaria o pagamento do percentual de 35% sobre o valor declarado, correspondentes a 17,5% de multa e outros tantos de imposto de renda.
Fixado nesses parâmetros, o projeto estabeleceria um caminho aceitável para trazer de volta recursos estimados em torno de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. A equipe econômica do governo calcula que, desse montante, cerca de R$ 20 bilhões seriam arrecadados de imediato, ainda este ano — um reforço substancial no esforço de incremento de arrecadação dentro do ajuste fiscal.
A tramitação legislativa do projeto, no entanto, pede cuidados redobrados para evitar que sejam contrabandeadas para o bojo do texto armadilhas que beneficiariam generalizadamente titulares de contas abastecidas por ganhos em atividades criminosas, entre as quais corrupção. Relator da proposta na Câmara, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) aceitou inicialmente a ampliação do arco de alcance da anistia, no âmbito de processos administrativos, de modo a incluir no perdão casos de incursão em outros crimes, como uso de documento falso e associação criminosa — um jabuti com endereço previsível. Diante da resistência, fez-se novo texto e é possível que a Casa vote hoje o último substitutivo. Repatriar recursos é iniciativa positiva, o que impõe atenção com espertezas que contrariem os reais objetivos da proposta.
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