• A greve dos caminhoneiros nem de longe tem a mesma envergadura do que ocorreu no Chile, mas existe um forte movimento a favor do impeachment nas redes sociais e o governo anda mal das pernas no Congresso
- Correio Braziliense
Um dos pontos fortes do PT na disputa com a oposição é a capacidade de construir um discurso alarmista, a partir de um fato qualquer que sirva de pretexto para isso, e transformar qualquer polêmica numa briga de mocinho contra bandido. Nas campanhas eleitorais de 2002, 2006, 2010 e 2014, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma fizeram isso sem escrúpulos, ora alardeando que a oposição queria vender a Petrobras, ora que pretendia acabar o Bolsa Família.
A oposição muitas vezes facilita a vida dos petistas e atravessa a rua para escorregar na casca de banana, como acontece agora com o maior bode na sala da crise ética, política e econômica, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O “Fora, Cunha!” é uma bandeira empunhada pelos militantes petistas, ao mesmo tempo em que o Palácio do Planalto opera nos bastidores para que o presidente da Câmara engavete os pedidos de impeachment.
A oposição, visivelmente constrangida, alimenta a esperança de que o parlamentar despache favoravelmente à abertura do processo de impeachment, enquanto Cunha constrói um discurso pouco verossímil para evitar a cassação, em barganha simultânea com o governo e a oposição. Como no caso do “trust” que supostamente administraria o seu dinheiro na Suíça, no qual sustenta que as suas contas secretas não são o que pareciam.
Vejam o caso da greve dos petroleiros, que já tem uma semana e começa a prejudicar o abastecimento de combustíveis. Os petroleiros nada fizeram contra a roubalheira na empresa, pois seus sindicatos são controlados pelos petistas, como o fundo de pensão da categoria, o Petros, que também merece uma bela auditoria independente. Em vez de apoiar a Operação Lava-Jato, passaram a levantar suspeitas de que tudo não passa de uma grande armação imperialista para vender a empresa.
Com esse discurso, realizam uma greve contra o atual presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, que pretendem derrubar do cargo. Estão em greve por tempo indeterminado. Além da luta pelas cláusulas econômicas e sociais no acordo coletivo deste ano, defendem que a Petrobras “seja 100% estatal e pública”.
As entidades são contra a venda de 49% das ações da Petrobras Gás (Gaspetro) para a Mitsui Gás e Energia do Brasil por R$ 1,9 bilhão. A venda de ativos e a redução de investimentos fazem parte do plano da empresa para reduzir o nível de endividamento. Além disso, querem reajuste de 18%, envolvendo reposição da inflação, aumento real e produtividade.
Caminhoneiros
A greve dos petroleiros é maior expressão da oposição que o PT faz ao ajuste fiscal e ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma contradição na própria base do governo, como é o caso do “Fora, Cunha!” A diferença é que seu impacto na economia aumenta o desgaste do governo, que publicamente evita se manifestar sobre a greve. Fazê-lo seria admitir que o PT sabota o seu próprio governo.
Eis, porém, que surge outra greve, na medida para ser “demonizada” como coisa da direita, que pretenderia desestabilizar o país: a greve dos caminhoneiros autônomos. Fora do controle dos sindicatos da categoria e das empresas de transportes, o movimento é liderado por Ivar Schmidt, que encabeça o Comando Nacional do Transporte. Como no ano passado, foi organizado pelas redes sociais e já se espalhou por 14 estados, com bloqueios nas principais estradas do país.
Enquanto os petroleiros querem a cabeça de Bendine, os caminhoneiros pedem a saída da presidente Dilma. Um prato feito para o discurso que o governo precisa contra o impeachment. Como se sabe, a destituição do presidente Salvador Allende no Chile, em 1973, pelo general Pinochet, foi precedida por uma onda de greves patronais, iniciada em outubro do ano anterior. A maior e mais prejudicial foi a greve dos caminhoneiros, que deixou o país em colapso. Na verdade, houve mesmo uma articulação patronal golpista, com envolvimento dos Estados Unidos, que culminou com o golpe militar de Pinochet.
A greve dos caminhoneiros nem de longe tem a mesma envergadura do que ocorreu no Chile, mas existe um forte movimento a favor do impeachment nas redes sociais e o governo anda mal das pernas no Congresso, cenário agravado pelos altos índices de desaprovação da presidente Dilma Rousseff. Tudo na medida para o discurso de que a greve dos caminhoneiros é coisa da oposição golpista. E a dos petroleiros, é o que?
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