- O Estado de S. Paulo
O ano vai terminando com a confirmação do que se previa: turbulência e crises. Desde a posse de Dilma Rousseff no segundo mandato não era outra coisa que se anunciava e foi o que se viu. Foi até pior, porque o ajuste fiscal, proposto por um governo cuja legitimidade se assenta num assumido “estelionato eleitoral”, careceu de apoio até do partido da presidente. Com isso a crise econômica se alastrou e com ela a recessão atingiu, em poucos meses, o mercado de trabalho e trouxe de volta a inflação.
Por incompetência, temor ou ausência de convicção, Dilma mais prometeu do que agiu para conter a crise. O governo não conseguiu enfrentar nenhum dos problemas que ele mesmo criou e o País seguiu ladeira abaixo até se consumar a depressão econômica.
A crise política, que era latente, instalou-se e o governo perdeu sustentação no Congresso Nacional, forçando-se a promover diversos arranjos na base do “toma lá, dá cá”, o que acabou acentuando mais ainda o desprestígio dos políticos perante a população. O ano termina com o governo em frangalhos, travado pela degradação política. Termina com Estados e municípios à míngua, sem condições financeiras de responder a seus compromissos mais básicos e com as instituições públicas do nosso “Estado ampliado” destruídas, depois de anos de aparelhamento e descaso.
Signos de um país extenuado, no qual a grande exceção continuam sendo as intransigentes ações republicanas da Operação Lava Jato, secundadas pelo Ministério Público e pela Política Federal.
Em algum ponto da conjuntura, o governo deu sinais de rearticulação para garantir sobrevida, mesmo sem ter conseguido reconquistar a credibilidade perdida na sociedade. A prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, e de empresários implicados em desvios de recursos públicos para os cofres das campanhas eleitorais do PT, feriu de morte a tênue tentativa de rearticulação.
Em seguida veio a admissibilidade do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, fato que deve demarcar dramaticamente a vida política do País.
O pedido de impeachment chega ao Parlamento quando o movimento de rua, que havia mobilizado multidões no correr do ano, se encontra desmobilizado e a oposição, dividida. Mas a demanda do impeachment é inquestionavelmente constitucional, legítima e está legalmente amparada. O pedido não é da lavra do presidente da Câmara e não pode ser reduzido a uma vingança deste em relação à presidente da República. Por todas essas razões, é falsa, sob qualquer argumento, a acusação de “golpe” esgrimida pelos governistas.
Mas trata-se de engano imaginar que tudo estará resolvido com o impeachment. Com o afastamento da presidente ou sem ele, o País precisará ser politicamente reconstruído. Os governos do PT puseram a democracia em xeque ao sustentarem seu projeto de poder na corrupção. Destruíram a legitimidade de uma “esquerda de governo” e a autonomia dos movimentos sociais, “comprando-os”, assim como fizeram com parte do Parlamento, numa visão tosca e autoritária do que deveria ser um “governo de coalizão”. A oposição e a opinião pública não fizeram outra coisa senão reagir a essa política de máfia.
O PT legou ao País um cenário de ruínas e a sensação de esgotamento de mais um ciclo na política brasileira, embora não haja consenso quanto à natureza do ciclo que se encerra e menos ainda em relação ao que está por vir. Fala-se do fim do ciclo petista ou do “pacto lulista”, com seu personalismo, populismo ou transformismo. Ampliando o quadro, sugere-se ainda o esgotamento de um ciclo social-democrático, pós-Constituição de 1988, que abarcaria os governos do PSDB e do PT.
Seja como for, é certo que a superação da “razão agonística”, imposta pelo PT, seria um grande benefício para a vida democrática brasileira. Isso porque ela se traduz na cristalização de um discurso desqualificador dos outros atores, cujo objetivo foi sempre o de transformar intencionalmente seus adversários políticos em inimigos, visando a assegurar sua legitimidade e garantir para si a imagem de “polo exclusivo”, portador da “verdade”.
A profundidade do mal-estar atual aconselha, contudo, a pensar que esta crise vem de longe e seu equacionamento demandará algo novo. Ela nasce na dissensão entre os principais atores políticos do processo de democratização. Os nexos fundamentais daquela política de resistência ao autoritarismo e de democratização da sociedade parecem não encontrar mais amparo entre as forças políticas. Seus nexos se romperam, seus atores se desconectaram e, com eles, os consensos que garantiram resultados positivos para o País, da transição até a estabilização da economia, com o Plano Real, passando pela elaboração da Constituição de 1988. Daí em diante o cenário político assumiu feições de polarização, consolidando-se dessa maneira nos 12 últimos anos. Daquela “grande política” restaram esparsas referências e, no entanto, ela parece ser hoje mais necessária do que nunca. Não à toa se fala novamente em “unir o País”!
Em meio à crise, a perspectiva de renovação democrática ainda respira e pede uma “nova política”. Sua força poderá ser maior se contar a seu favor com o apoio de uma população que hoje se expressa claramente tanto contra um clima político de beligerância e de divisão do País, acionado originalmente pelo PT, quanto se opõe a uma política de cúpulas acima das pessoas e sem elas.
Ainda que rarefeita, há uma esperança no ar: da crise podem nascer novas alianças políticas que deem sustentação a uma política de reformas, tanto de caráter imediato como estruturais, visando a recolocar o País no curso do crescimento. Em novo contexto, teremos de refazer caminhos e reconectar nexos perdidos para reconstruirmos a Nação pela via da democracia e da República.
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* Alberto aggio é historiador, professor titular da Unesp
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