• O ano que não começou pode acabar só depois do Carnaval
- Valor Econômico
Renan Calheiros assumiu o comando da operação de salvamento da presidente Dilma Rousseff num dia de dois revezes para o governo, no Supremo e na nota de risco do país no mercado.
O senador do PMDB alagoano é o principal especialista em bacias das almas num partido de grande expertise no tema. Declarou-se em guerra contra o vice-presidente da República num momento em que nenhum risco está precificado. Sem salvaguarda nas investigações da Lava-jato, o senador resolveu investir na tomada do PMDB como meio de garantir a sobrevivência política de seu grupo político.
Sua decisão de fazê-lo abertamente, em contraposição à carta-confissão com que seu principal adversário rompeu com a presidente da República, não desidrata seu DNA pemedebista. Ao dar publicidade à sua condição de âncora de um governo acossado pelo impeachment e pelo mercado, Renan apela à substância de um partido que navega com conforto como força contramajoritária da política nacional.
Reportagem de André Guilherme Vieira noValor de hoje dá voz ao ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, para explicar as bases reais da disputa entre as bancadas do PMDB na Câmara e no Senado. As operações de busca e apreensão da Polícia Federal da temporada distribuíram-se indiscriminadamente entre os aliados de Renan e Temer. Para consumo externo, o enfrentamento foi batizado de "Agenda Brasil" e "Ponte para o futuro", o primeiro capitaneado pelo senador, no fim do primeiro semestre e o segundo, mais recentemente, pelo vice-presidente.
Renan arregimentou seus dois maiores aliados no Senado, Jader Barbalho (PA) e Eunício Oliveira (CE), para interferir na disputa pela liderança do PMDB na Câmara porque tem por meta o comando do partido na convenção de março. Ao se confrontar com o grupo do vice-presidente às vésperas de eleições municipais cruciais para o partido, Renan cresce, aos olhos de um governo que ainda tem caneta, como aliado merecedor de crédito e nacos de poder. A remuneração de seus servidos estará subordinada à meta fiscal de 0,5% do PIB, aprovada ontem pela Comissão Mista de Orçamento.
Aliado de primeira hora de Fernando Collor de Mello, Renan rompeu com o ex-presidente ao ver o dedo do tesoureiro Paulo César Farias, na sua derrota pelo governo de Alagoas em 1990. Foi peça-chave nas denúncias que acabariam levando à destituição do ex-presidente e antecipou a corrente da história ao tomar o barco do impeachment. Buscava retomar o poder na província e no Planalto.
Desta vez, tendo seu primogênito no governo local e aliados que, a despeito da Lava-jato, ainda subsistem na administração federal, trata de mantê-lo. Dado o voto de ontem do ministro Luiz Fachin, que impede o Senado de anular a decisão da Câmara no impeachment, a cruzada que empreende no PMDB será sua maior serventia. A investida de Renan sobre o comando do partido, prévia ao julgamento do mandato da presidente, transformou-se em uma das principais âncoras do governo.
Renan é o mais poderoso sobrevivente dos pemedebistas-chave do impeachment de Collor. Os dois processos estão condenados ao cotejamento, como ficou claro no julgamento, iniciado ontem, do rito a ser estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal. Ao defender ontem na Corte o procedimento adotado por Eduardo Cunha, o deputado Miro Teixeira chegou a dizer que teria que fazer mea culpa em relação ao seu voto no impeachment de Collor se as regras vigentes àquela época viessem a ser revogadas.
Um de seus mais notórios adversários, Miro foi acionado pelo presidente da Câmara para fazer a defesa do rito estabelecido pela Casa para a escolha da comissão do impeachment. À Constituição, que impõe voto aberto para as deliberações congressuais, contrapôs o regimento da Câmara que garante voto secreto para suas eleições internas.
A escolha de Miro, notório adversário de Cunha, foi um sinal de que o presidente da Câmara foi desprovido do decoro mas não de suas qualidades de estrategista. Na Corte, Miro disse que a situação desconfortável de Cunha perante o Judiciário não o impedia de defender a Casa onde se fazem as leis da democracia.
Fachin respaldaria a peroração de Miro, contrariando a suspeição daqueles que propagandeavam sua defesa pública na presidente Dilma Rousseff em 2010 como indício de um decisão favorável ao Palácio do Planalto. Se o plenário do Supremo convergir com o relator, o rito do impeachment de 23 anos atrás tende a ser, em grande parte, mantido.
O respeito à autonomia do Legislativo, sugerido ontem no voto do relator, indicaria rejeição ao pedido feito ontem pelo procurador-geral da República para o afastamento do presidente da Câmara, que é objeto de uma representação no Conselho de Ética da Casa. Mas o Supremo não se move pela regra de três. Dava-se como provável, ontem à noite, que Rodrigo Janot, derrotado pelo voto de Fachin, arrancasse hoje do ministro Teori Zavascki uma liminar favorável.
Os manifestantes que ontem saíram à rua em defesa do mandato da presidente comemoram o pedido da PGR, mas não há indicações de que uma decisão colegiada sobre o tema venha a ser tomada antes do recesso do Judiciário, que deverá ser ainda mais longo do que o do Legislativo.
As manifestações de ontem e de domingo não são suficientes para conferir ao impeachment o caráter popular do processo que tirou Collor do cargo. As catilinárias ameaçam invadir 2016 com a rixa entre pemedebistas. Talvez por isso nenhum grito de ordem pró ou contra o impeachment parece competir com o previsível sucesso da marchinha em homenagem a Newton Ishii, o agente onipresente das ações da Polícia Federal.
O ano que não começou pode acabar depois do carnaval. A marchinha do japonês é dessas melodias que as pessoas se pegam cantando sozinhas sem saber por que. Ou talvez saibam.
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