• A Lava-Jato não pode condicionar suas operações ao momento político ou se preocupar com especulações sobre hipotéticos interesses ocultos
A operação de terça-feira da Lava-Jato tem ingredientes de sobra para inspirar visões conspiratórias. A começar pelo nome, carregado de ironia: Catilinárias, o conjunto de discursos de Cícero, na Roma antiga, de denúncia contra o senador golpista Lucio Catilina.
Há ainda a coincidência com uma sessão importante marcada no Supremo sobre o rito do processo de impeachment pedido contra Dilma, enquanto é executada na Câmara outra liturgia de defenestração, esta do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos alvos ilustres da Catilinárias.
Cunha repetiu a interpretação conspiratória de que ele e seu partido são vítimas do PT e do governo — por meio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Faltou, porém, explicar como petistas e Planalto iriam acossar logo agora o PMDB, legenda formalmente aliada e chave para evitar o impedimento da presidente. Mais ainda: e no momento em que o grupo do quase dissidente assumido vice-presidente Michel Temer articula catapultar o partido que preside para fora do governo.
Acrescente-se que entre os atingidos estão peemedebistas ministros do governo Dilma: Celso Pansera (PMDB-RJ), de Ciência e Tecnologia, e Henrique Eduardo Alves (PMDBRN), do Turismo.
É mais lógico, até considerando o histórico do trabalho do juiz Sérgio Moro, de procuradores e delegados da PF que constituem a força-tarefa da Lava-Jato, entender que a Catilinárias marca a retomada do avanço da Operação no núcleo político do esquema que assaltou a Petrobras, a partir do aparelhamento lulopetista da empresa.
Cabe lembrar que nesta mesma terça-feira o amigo íntimo do ex-presidente Lula, o pecuarista e lobista José Carlos Bumlai, foi ungido réu por Moro e confessou à PF que o empréstimo de R$ 12 milhões levantado por ele junto ao banco Schahin era na verdade para o PT pagar dívidas. A operação é tenebrosa, porque levou o grupo Schahin, em troca, a fechar um contrato bilionário com a Petrobras, para operar um navio-sonda, algo nada familiar à expertise da empresa. Ou seja, tráfico de influência grosseiro, praticado nas cercanias de Lula. E não há provas de que Bumlai pagou ao banco. Tudo teria ficado elas por elas.
Há ainda, para inspirar especulações, a negativa do ministro Teori Zavascki, do STF, a mandado de busca e apreensão contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o oposto que fez com Eduardo Cunha.
Mas o ministro também não atendeu a outros pedidos de mandados. E não escaparam pessoas ligadas a Renan: Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, um elo do petrolão, indicado pelo senador ao cargo; e Aníbal Gomes (PMDB-CE), que seria representante de Renan em transações obscuras. Portanto, é um exagero achar que o presidente do Senado está tranquilo neste momento.
A Lava-Jato parece seguir um roteiro bem planejado, a partir da delação premiada de Alberto Youssef, em 2013: diretores da Petrobras, empreiteiros, outros operadores, incluindo o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e políticos. Fernando Baiano, operador ligado ao PMDB, cruzou com repórteres, também na terça, ao chegar para depor na PF em Curitiba, fugiu de perguntas, mas disse que “tem muita coisa ainda a acontecer”. Fala com conhecimento de causa, e espera-se que haja mesmo, e que nada impeça o avanço da operação.
A investigação desse gigantesco escândalo, ocorrido no núcleo do grupo no poder há 13 anos, numa eclética aliança que vai da extrema-esquerda à extrema-direita, não pode ser condicionada a calendários políticos ou quaisquer outros.
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