Por Raymundo Costa - Valor Econômico
BRASÍLIA - O vice-presidente da República, Michel Temer, suspeita que está sob vigilância. Seus aliados mais próximos desconfiam da Abin, serviço de inteligência que na última reforma ministerial deixou o guarda-chuva do Gabinete de Segurança Institucional e foi se alojar na Secretaria de Governo, comandada por Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT e suposto chefe do "bando de aloprados" que na eleição de 2006 fabricou um dossiê contra o tucano José Serra, então candidato ao governo de São Paulo.
Os assessores de Temer dizem que o vice tem sido fotografado por pessoas que não são da imprensa, assim como os visitantes que recebe no Palácio do Planalto ou na residência oficial, o Palácio do Jaburu. O momento é de tensão em Brasília, diante da perspectiva da abertura de um processo para impedir a presidente Dilma Rousseff. O vice Michel Temer é o primeiro na linha de sucessão. Se tem alguém de olho nele, o vice também está com um olho no Palácio do Planalto e outro no PMDB.
Os aliados de Temer esperam por alguma tentativa de envolvimento de seu nome com a Operação Lava-Jato. Na realidade, entre seus adversários do PMDB e fontes do Ministério Público Federal, de vez em quando vaza que o vice não resistiria a uma delação premiada do ex-diretor internacional da Petrobras, Jorge Zelada. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-líder do governo, preso por tentar obstruir as investigações da Lava-Jato, diz em uma gravação que Temer e Zelada tinham "relações próximas". O vice disse que repudiava "veementemente" a insinuação.
Com um olho no Planalto e outro no PMDB, Temer deu ontem uma prova de força ao levar a Executiva Nacional do partido a aprovar, por 15 votos a 2, uma resolução pela qual fechou parcialmente a porta do partido a novas filiações de deputado federal. A decisão tem por objetivo barrar as manobras do Palácio do Planalto para restituir a função de líder na Câmara ao deputado Leonardo Picciani (RJ). Promovido à categoria de principal aliado da presidente Dilma na bancada, Picciani fez indicações para o ministério, mas acabou substituído na liderança pelo deputado Leonardo Quintão (MG). O governo tenta filiar deputados de outros partidos da base aliada para ajudar Picciani a voltar ao cargo.
A decisão da Executiva foi o pretexto para o ataque de Renan Calheiros, presidente do Senado, a Temer, logo após a reunião. Renan classificou a resolução como sendo "um horror". Renan foi parar no PMDB depois de liderar o PRN do ex-presidente Fernando Collor de Melo, o primeiro a sofrer um processo de impeachment no país. "O PMDB é um grande partido porque ele não tem dono", disse. "Como pode a Executiva dizer agora quem pode entrar ou quem não pode"?
Renan também criticou Temer por só ter tratado de cargos quando esteve com a coordenação política do governo, sem qualificar a participação do PMDB, responsabilizou o vice pela crise política e por fim classificou a decisão da Executiva de "um retrocesso que deve estar fazendo o doutor Ulysses tremer na cova". O deputado Ulysses Guimarães (1916-1992) foi o maior líder do PMDB. Ele dá nome à fundação do partido, onde um busto seu é avistado logo na entrada.
No Jaburu, Temer em princípio resolveu que não responderia Renan. Alguns de seus principais conselheiros prefeririam que ele prestigiasse novas lideranças do partido no Senado, como Ricardo Ferraço (ES) ou Simone Tebet (MS). O deputado Lúcio Vieira Lima (BA), ironizou: "Foi um desabafo". Quando Temer escreveu uma carta a Dilma queixando-se de ser um vice decorativo, Renan disse que o vice fizera apenas "um desabafo pessoal".
Amigos de Temer avaliaram que o discurso de Renan era resultado do "desespero" - na véspera, o presidente do Senado fora alvejado com a primeira investida do Ministério Público Federal sobre o "núcleo político" da Lava-Jato. Ontem, os primeiros sinais eram de que o Supremo manteria o rito do impeachment adotado no processo de Fernando Collor, o que reduziria drasticamente a margem de manobra de Renan quando o processo chegar ao Senado, se chegar. Por fim, ele já sabia que fora alvejado duramente na delação premiada de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.
Mais tarde, Temer resolveu responder a Renan, porque fora citado diretamente. "O PMDB não tem dono", concordou o vice, em nota divulgada à tarde, antes de enfiar a faca: "Nem coronéis". Os Calheiros são vistos como uma encarnação dos tradicionais coronéis do Nordeste. "Neste momento, os disputantes da liderança na Câmara dos Deputados buscavam filiar deputados transitórios apenas para assinarem lista de apoio - isto fragilizaria o PMDB", disse Temer, em nota.
Segundo o vice, o resultado apurado na reunião de 15 votos a favor da resolução e dois contrários era um " resultado revelador de ampla maioria. Decisão, portanto, democrática e legítima". Os dois votos contrários foram um de Picciani e outro de um adversário em Minas do deputado Leonardo Quintão, atual líder da bancada no lugar Picciani.
Na articulação para se viabilizar como alternativa a Dilma, o vice-presidente tenta primeiro organizar uma maioria dentro do PMDB, o que é indispensável para atrair a oposição para o impeachment. O Senado, uma Casa mais conservadora, é uma barreira que Temer precisa ultrapassar. Na terça-feira, por exemplo, um dos principais articuladores de Temer, o ex-governador e ex-ministro Moreira Franco, fez uma viagem secreta a São Luis (MA) para conversar com a ex-governadora Roseana Sarney, filha do ex-senador José Sarney, aliado dos governos do PT - mais de Lula que de Dilma. Sarney está com Dilma, mas apreensivo com o protagonismo nacional dado pelo Planalto a seu adversário local, o governador Flávio Dino (PCdoB).
A máquina do Palácio do Jaburu também está em movimento. (Colaboraram Thiago Resende, Fernando Taquari e Vandson Lima)
Nenhum comentário:
Postar um comentário