- O Estado de S. Paulo
Michel Temer age como futuro ex-vice há pelo menos três meses, quando declarou a quem quis ouvir que Dilma Rousseff não chegaria a 2018 na Presidência, não com aprovação de um dígito. Agora, na carta à “Senhora presidente” (o vice não flexiona mais o gênero do cargo como fazia no primeiro mandato), ele, na prática, atualiza sua projeção. Antecipa-a. Quem vazou a carta quis transformá-la em previsão autorrealizável. Tem conseguido.
A carta foi uma senha para a ala peemedebista pró-impeachment retomar o controle do partido na Câmara dos Deputados. Começou com a traição ao governo no escurinho das urnas que elegeram a Comissão Especial do impeachment, e deu à luz com a destituição do governista Leonardo Picciani da liderança do PMDB. Nesse roteiro, Picciani é só o primeiro dominó a ser derrubado.
Com o PMDB trocando de lado, as manobras do governo correm risco de serem meramente protelatórias. Com recursos ao Supremo Tribunal Federal, Dilma posterga o processo de impeachment, mas, ao “ganhar” tempo, reforça a estratégia da oposição. No limite, vai acabar adiando a votação de seu impedimento pelo plenário da Câmara para o pós-carnaval. Dará chance para a crise econômica se aprofundar, para descontentes irem às ruas e, eventualmente, para os oposicionistas conquistarem os votos que lhes faltam.
No último placar disponível (a votação da Comissão Especial), Dilma somou 199 votos. Precisa de 171 para segurar-se no cargo. Os 28 votos a mais são fugazes. Em política, todo verbo é transitivo, e as fidelidades são transitórias. O que vale é a tendência. O vento virou e não é mais favorável à presidente.
Comparando-se o placar que elegeu a Comissão Especial com as votações do ajuste fiscal, Dilma perdeu 13 deputados – em apenas 24 horas. A destituição de Picciani tende a desencorajar ainda mais governistas do PMDB a permanecerem fiéis à presidente.
De pronto, Temer recebeu Leonardo Quintão, o novo líder do PMDB, e meia dúzia de senadores do partido. Foi para sinalizar qual é o arco de forças que o sustenta. Desde setembro, quando conversou com a cúpula tucana antes de uma viagem oficial à Rússia, o vice sabe que, se assumisse o protagonismo da transição, teria apoio do PSDB. É o que está tentando fazer, até quando diz o contrário.
A vontade pessoal de Temer não basta, porém, para mover essa roda. Ela gira porque não interessa aos tucanos uma nova eleição presidencial neste momento, porque outros peemedebistas acham que podem se safar do cadafalso político se o vice virar presidente e, mais importante, porque o PMDB pode ser aliado do PT em Brasília, mas, nos municípios, os dois são os maiores adversários que há entre todos os partidos. O crescimento de um se dá às custas do encolhimento do outro.
Está tudo decidido? É questão de tempo até Temer assumir a Presidência de vez? Não. Há temeridades na articulação.
Picciani foi destituído por 35 dos 66 deputados do PMDB. Está tentando mudar a composição da bancada e reverter dois votos. Já o novo líder é quem relata a proposta do Código da Mineração. O texto, porém, não foi escrito por Quintão, mas, segundo a BBC Brasil, em computador de advogados que prestam serviços à Vale e à BHP. As duas mineradoras são as donas da Samarco, responsável pelo maior desastre ambiental da história do Brasil.
Eduardo Cunha faz do impeachment de Dilma cortina de fumaça para evitar a própria cassação. Manobra sem pudor o regimento, usa o cargo de presidente da Câmara em prol de sua salvação. Suas investidas podem contaminar o processo de impeachment.
Por fim, Temer é impopular. Pesquisa Ibope mostra que 40% acham a atuação do vice ruim ou péssima. Só 11% a aprovam. Empossado, também estará sujeito a protestos nas ruas.
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