O IPCA, índice usado nas metas de inflação, subiu 1,01% em novembro e, em 12 meses, chegou a 10,48%. Foi a primeira vez, desde 2003, que a inflação superou 10%, elevando o risco de indexação, alertam analistas. As altas foram generalizadas: 78% dos produtos pesquisados pelo IBGE subiram.
Inflação sobe e se espalha
• IPCA acumulado em 12 meses chega a 10,48%, e aumentos atingem 78% dos produtos
Lucianne Carneiro – O Globo
Depois de doze anos, a inflação brasileira voltou ao patamar de dois dígitos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial do custo de vida do país, chegou a 10,48% nos 12 meses encerrados em novembro, o maior nível desde novembro de 2003, de acordo com os dados divulgados ontem pelo IBGE. A alta de preços passou de 0,82% em outubro para 1,01% em novembro, a taxa mais elevada para o mês desde 2002. Além de alta, a inflação se espalhou por um número maior de produtos, o que aumenta o risco da indexação de preços que retroalimenta a inflação, alertam os especialistas.
Dos 373 itens pesquisados no IPCA, 150 subiram mais de 10% em 12 meses e apenas 18 registraram deflação. Já o chamado índice de difusão — parcela dos itens que registrou alta de preços — pulou de 67% em outubro para 78% no mês passado, acima da média histórica de 63%, mostram cálculos do Banco Fator.
— O cenário foi piorando. Uma coisa que se achou que ficaria restrita a alguns preços administrados foi se espalhando para outros administrados, alimentos e serviços. Foi-se criando vários nichos de alta de preços em itens com grande peso na taxa — afirma Maria Andréia Parente, técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Maria Andréia também chama atenção para a intensidade dos aumentos.
— Uma inflação em dois dígitos é uma marca importante, ainda que não faça diferença uma inflação de 9,9% ou de 10,1%. A questão é que temos uma inflação crescente e que vem piorando ao longo dos meses. Já sabíamos que teríamos um ano de ajuste, mas o que surpreende é a intensidade — diz a economista do Ipea.
‘Câmbio traz uma avalanche de aumentos’
A coordenadora de índices de preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos, explica que “as culpas para a inflação” ficaram mais variadas em 2015, diferentemente de 2014, quando a pressão estava concentrada em serviços. Metade da alta da inflação em 12 meses foi provocada apenas pelos preços de alimentos, energia elétrica e combustíveis:
— Os fatores que explicam a inflação se diversificaram. Várias causas contribuíram, como os preços monitorados de itens importantes e insubstituíveis nas vidas das famílias, como a energia elétrica. Teve aumento de combustíveis, em especial o diesel, que afeta o frete. E o câmbio subiu. Foi um ano em que reajustes aconteceram em itens importantes e que trazem contaminação em outros produtos.
O consultor ambiental Leandro Azevedo, de 36 anos usa o carro diariamente, e conta que em cerca de dois anos seu gasto mensal com combustível dobrou, passando de R$ 250 para R$ 500.
— Está tudo muito caro, a cada ida ao posto de gasolina eu levo um susto, e o mesmo acontece no supermercado, no restaurante. Por eu usar o carro para trabalhar, não tenho como economizar. Infelizmente eu estou tendo que apertar o cinto na alimentação e no lazer.
Eulina admitiu que a inflação elevada tem efeito nos aumentos futuros, tanto pela questão psicológica de repasse, quanto pela influência da indexação, já que muitos contratos ainda são reajustados pela inflação, como é o caso de planos de saúde. Mas ponderou que a situação é muito diferente do passado, quando se tinha "inflação desenfreada":
— Ainda tem vários itens que são indexados por contrato, então a inflação de um ano vai determinar aumento forte de alguns itens nos anos seguintes. E há uma questão psicológica, de que se está tudo caro se aumenta os preços. Mas está muito longe de comparar com época de inflação desenfreada. Naquele período não havia parâmetro de preços, se aumentava várias vezes ao dia, até para o IBGE era difícil medir, não se conseguia nem explicar as causas.
O câmbio teve forte efeito nos preços de alimentos. Isso se mostra tanto na compra de insumos dos produtores com custo ligado ao câmbio — como fertilizantes e máquinas e equipamento — e na concorrência com as exportações. Segundo Eulina, “o câmbio traz uma avalanche de aumentos”.
Na avaliação de Elson Telles, economista do Itaú Unibanco, a inflação está mais espalhada, e a disseminação está associada a um nível mais alto da taxa. Essa combinação de magnitude e espalhamento, diz, torna mais difícil a tarefa de controlar a inflação. Mas para 2016, o cenário é desaceleração, diz Telles, que projeta IPCA 6,8% no ano que vem.
— A inflação está realmente alta e preocupante, mas não deve ficar em dois dígitos por muito tempo. Já em fevereiro o resultado acumulado em doze meses deve cair para 9,6%, mas de qualquer forma há incertezas para o próximo ano. É um desafio fazer a inflação desacelerar para 6%, 7%, mas a atividade fraca deve ajudar.
Como lembra o professor da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves, quanto mais alta a inflação, maior é a dificuldade de combatê-la:
— A economia ainda é indexada, com o nível de indexação importante. A alta de preços agora tem impacto no futuro. E a inflação mais alta é mais resistente.
Teto da meta deve estourar em 2016
O resultado de novembro confirma a expectativa de inflação de dois dígitos este ano. Para evitar esse cenário, seria necessário que o IPCA de dezembro fosse de 0,34%— que significaria uma taxa de 9,9% no ano —, muito abaixo do que o mercado espera. A projeção do Itaú Unibanco, por exemplo, é de 0,97% em dezembro.
O cenário para 2016 é de inflação menor do que a deste ano, mas ainda acima do teto da meta fixada pelo Banco Central, que é de 6,5%. De acordo com o último Boletim Focus, o esperado é inflação de 6,7% no ano que vem. Diante desse quadro e com a expectativa de mais recessão —que dificulta novo aumento de juros —, economistas defendem uma postura firme do Banco Central na busca do centro da meta.
— O principal papel do BC é evitar que os vários choques registrados este ano tenham impacto para frente. É preciso sinalizar que é possível chegar ao centro da meta em 2017 — avalia Elson Telles.
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