• Encerramento de empresas do setor saltou 24%, elas não resistiram à queda da demanda e aos altos custos de impostos e energia, juros altos e ao corte brutal dos investimentos; País destruiu 1,1 milhão de empregos industriais em um trimestre
Cleide Silva – O Estado de S. Paulo
A crise que paralisa a economia brasileira deixa um rastro de empresas desativadas. Só no Estado de São Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam as portas no ano passado, número 24% superior ao de 2014, quando 3.584 fabricantes deixaram de operar, segundo a Junta Comercial.
O quadro se estende por todo o País, formando um cemitério de fábricas de variados setores, muitas delas fechadas definitivamente, algumas em busca de alternativas para voltar a operar e outras à espera de compradores.
Muitos trabalhadores demitidos não receberam salários e rescisões. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre novembro e janeiro, a indústria brasileira fechou 1,131 milhão de vagas, número recorde para um trimestre.
“As fábricas fechadas e os empregos perdidos viraram pó; não há como reverter esse quadro nos próximos anos”, diz Fabio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da consultoria GO Associados.
Algumas das fabricantes foram líderes em seus segmentos, mas não resistiram à queda da demanda e aos altos custos de impostos, energia, juros elevados e à falta de investimentos que secaram, em parte, em razão da queda da confiança no País, somado a erros administrativos e estratégicos.
A desativação de indústrias segue em níveis alarmantes neste ano. Um exemplo é o da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, onde, só na semana passada, ocorreram anúncios de encerramento de atividades produtivas das metalúrgicas Eaton, Maxion e Randon.
“O mercado de implementos rodoviários teve retração de 50% e não há perspectivas de mudança de cenário no curto prazo”, informa Daniel Ely, diretor de Recursos Humanos da Randon, que atualmente emprega 130 pessoas, mas já teve mais de mil, segundo o sindicato local.
Sem emprego e com recisão parcelada
• Polyenka não tinha recurso para pagar obrigações
Tradicional fabricante de produtos têxteis, a Polyenka, instalada em Americana (SP) há 45 anos, já foi uma das maiores empresas do ramo de filamentos de poliéster no País e chegou a empregar 2 mil pessoas no fim dos anos 90. Em janeiro, encerrou atividades e fez um acordo com os atuais 350 funcionários para parcelar o valor das rescisões.
A empresa estava em recuperação judicial desde 2006 e, segundo o advogado Geraldo Gouveia operava com “significativo prejuízo”, principalmente após a queda de 30% nas vendas registrada nos últimos meses.
“O principal insumo usado na produção (polímero químico) é importado e ficou mais caro com a alta do dólar, além do custo da energia e da mão de obra”, explica Gouveia.
Ele diz que a Polyenka pertencente a um grupo de empresários brasileiros e busca alternativas para retomar atividades, seja para atender apenas sob encomenda, terceirizar parte das atividades ou apenas importar e revender. “Tudo vai depender dos rumos do País.”
Em Jacareí (SP), a Rhodia fechou a fábrica de fios têxteis de poliamida em abril do ano passado e concentrou a produção desse item na filial de Santo André (SP). Os 130 funcionários demitidos, segundo a empresa, receberam bônus extras de acordo com o tempo de trabalho.
A multinacional francesa informa que o fechamento “é resultado do cenário econômico de forte queda do consumo de produtos industrializados, que acarretou redução das vendas de fios de poliamida”. Também alega que, ao longo dos últimos anos, houve acréscimo substancial dos custos de produção, agravados em 2015 pelo aumento do preço da energia.
Duas fábricas fechadas em 2015
• Finlandesa PK só manteve uma unidade no País
A queda das vendas de componentes elétricos (chicotes) para seus principais clientes – as fabricantes de caminhões, ônibus e tratores –, levou a PK Cables do Brasil a fechar, em dezembro, a fábrica de Curitiba (PR).
Em maio, o grupo de origem finlandesa que atua no Brasil há 17 anos já tinha encerrado as atividades da filial de Itajubá (MG). As duas unidades empregavam 1,1 mil trabalhadores (500 em Itajubá e 600 em Curitiba). Agora a companhia mantém apenas a fábrica de Campo Alegre (SC).
O Sindicato dos Metalúrgicos do Paraná informa que negociou a dispensa dos trabalhadores locais, que receberam participação nos resultados de R$ 12 mil cada um, além de três meses de vale mercado e plano médico. Nenhum representante da empresa foi localizado na semana passada para falar sobre o assunto.
Em junho, em entrevista ao Estado, o responsável pelo setor de Recursos Humanos da PK Cables, Celso Silva, havia confirmado o fechamento das duas unidades, mas, segundo ele, a fábrica de Curitiba seria mantida até março deste ano.
Na época, ele informou que as encomendas tinham caído 45% e não havia alternativa se não a concentração das atividades em um única unidade. “Passamos por dificuldades em 2008, mas a crise atual é muito mais forte”, disse ele.
No ano passado, a produção de caminhões caiu 47,1% em relação aos números de 2014, enquanto as de ônibus tiveram redução de 34,7%. O segmento de maquinas agrícolas apresentou recuo de 32,8%, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
Nos dois primeiros meses deste ano o cenário segue crítico, com redução acumulada de 40,7% na produção de caminhões, de 45,2% na de ônibus e de 52% na de máquinas agrícolas.
Antes do fim, ritmo de produção maior
• Na véspera de fechar, Eaton faz estoque de peças
Não houve anúncio oficial de encerramento de atividades. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos, a direção da Eaton, fabricante de peças hidráulicas, só confirmou o fechamento da unidade após ser procurada pela entidade, no início do mês.
“Os trabalhadores perceberam um movimento fora da rotina na fábrica, pois estavam ampliando a produção num momento em que a própria empresa reclama da crise”, informa José Barros da Silva Neto, diretor do sindicato.
“Eles nos procuraram e fomos falar com o representante da empresa, que confirmou a transferência da produção para a unidade de Guaratinguetá, no interior de São Paulo”.
A fábrica está na cidade há 27 anos, mas pertence ao grupo americano Eaton desde 2001. Já teve entre 500 e 600 funcionários, mas atualmente emprega 140 pessoas, segundo Silva Neto. A empresa não comentou o assunto.
O grupo atua em diversos segmentos e também tem fábricas em Caxias do Sul (RS), Jundiaí, Mogi Mirim, São José dos Campos, Valinhos e Votorantim, todas no Estado de São Paulo.
A produção acelerada nas últimas semanas, na visão do sindicalista, é para garantir estoque de peças no período de transição. “A mudança é uma estratégia para reduzir custos, não é em razão da crise”, acredita Silva Neto.
Na semana passada, os trabalhadores decretaram greve pois reivindicam um pacote de benefícios na demissão, como seis salários extras.
De acordo com o sindicalista, a Eaton queria pagar apenas os direitos normais da rescisão, mas, após a greve, ofereceu R$ 3 mil extras para cada trabalhador, sendo que R$ 1,2 mil já estava acertado anteriormente como participação nos lucros. “Nesse momento de crise não podemos aceitar só isso”, afirma o diretor do sindicato.
Após venda, grupo fecha as portas
• Novo dono não enxergou viabilidade do negócio
Para tentar salvar a metalúrgica Corneta, fundada em São Paulo por seu avô há 80 anos, o empresário Christian Bennecke contratou, no fim do ano passado, uma consultoria de gestão para administrar a empresa, que emprega atualmente cerca de 280 funcionários, e colocar as contas em ordem.
O trabalho culminou com a venda da fabricante de ferramentas e autopeças de Osasco (SP) em agosto, ao grupo de investidores BL Investimentos.
“Inicialmente eles disseram que iriam investir na empresa, mas fizeram o contrário”, afirma Jorge Nazareno, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Segundo ele, os funcionários entraram em férias coletivas no início de dezembro e, ao retornarem em janeiro, foram informados de que a fábrica seria fechada.
A Corneta fornecia componentes para grandes fabricantes de motocicletas, como Honda e Yamaha. O setor de duas rodas registrou queda de 11% nas vendas no ano passado.
Os funcionários estão sem receber salários desde dezembro, assim como os valores da rescisão. Em reunião na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) ficou acertado o pagamento dos valores em até 22 parcelas, que começaram a ser pagas neste mês. A BL não quis falar sobre o caso.
Em janeiro, outra metalúrgica, a Unimol, fabricante de molas de compressão e outros itens em São Paulo, fechou as portas e não pagou salários e rescisão de seus 35 funcionários.
Fundada em 1985, a empresa tinha grandes grupos entre seus clientes, como Alcoa, Dana, Siemens e TRW. O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Francisco de Assis do Nascimento, afirma que, ao serem dispensados, os trabalhadores foram orientados pela chefia a buscar seus direitos na Justiça.
A entidade move atualmente ação na Justiça do Trabalho. Nenhum representante da empresa foi localizado.
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