Consciente de que a presidente Dilma Rousseff está prestes a ser destituída pelo Congresso, conforme prevê a Constituição, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, está empenhado em tentar melar o jogo. Não se trata mais, a esta altura, de defender a petista, posto que seus delitos são indefensáveis, mas de, matreiramente, criar condições para levar o impeachment ao Supremo Tribunal Federal. Ali, segundo aposta o representante de Dilma, não seria difícil convencer um ou outro ministro a abraçar a perigosa tese de que o STF pode interferir em matéria sobre a qual cabe exclusivamente ao Congresso decidir, criando um impasse que pode levar o País a uma grave crise institucional. Esse é e sempre foi o objetivo dos que agora escancaram sua vocação autoritária, hostil à ordem democrática.
A impostura começa pelo fato de que Cardozo nem deveria ser o advogado de Dilma, pois sua função, conforme está claro no artigo 131 da Constituição, é defender a União, e não a presidente — e o processo de impeachment é contra a pessoa de Dilma. O advogado-geral assessora o Poder Executivo para que seus atos administrativos tenham segurança jurídica. Tão apegado à legalidade, conforme se nota por seu discurso enfático a favor do Estado de Direito e contra o tal “golpe”, Cardozo deveria saber que não é um advogado qualquer, e sim o representante da União, e não deste ou daquele Poder. Mas num governo que se notabiliza por confundir o público e o privado, em que a presidente faz uso escancarado da estrutura do Estado para favorecer a si e a seu partido político, a genuflexão do advogado-geral da União perante Dilma não surpreende — apenas corrobora a degradação moral do lulopetismo.
Mas Cardozo foi muito além de deturpar a função de advogado-geral da União. Sua defesa consiste não em demonstrar a inocência de Dilma, mas em qualificar o processo de impeachment como “golpe”, sugerindo que o Congresso é um tribunal de exceção. Para Cardozo, o relatório que recomenda o impeachment de Dilma é parte de um “processo político”, que “não tem nenhum lastro na Constituição”. Ademais, discursou ele, o processo só foi aberto em razão de uma “vingança” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
A fragilidade desses argumentos é evidente. Em primeiro lugar, o processo de impeachment é naturalmente político, porque a presidente será julgada pelo Congresso, e não pelo Supremo. É claro que, para ter legitimidade, o processo precisa ter sólida base jurídica — e isso não falta à peça que ora tramita na Câmara. Mesmo assim, nem a existência dessa base jurídica clara basta para cassar um presidente da República. Se esse presidente tiver maioria confortável no Congresso, dificilmente o impeachment prospera, por mais graves e comprovados que sejam os delitos a ele atribuídos. Eis por que se trata de um processo político.
O problema é que Dilma é hoje um zumbi político. Sua proverbial inabilidade, associada a seu autoritarismo e à arrogância do PT, impede que ela consiga reunir os votos de ao menos um terço do Congresso, mesmo que ofereça anéis e dedos aos deputados. É por essa razão, e nenhuma outra, que Dilma mandou Cardozo criar confusão. Inapelavelmente derrotada no campo político e sem ter argumentos jurídicos além da gritaria histérica do tal “golpe”, restou à presidente e seu dedicado causídico conduzirem o jogo para fora do Congresso, levando-o ao Supremo. O truque é não reconhecer outro resultado que não seja a absolvição de Dilma. “É perfeitamente possível discutir essa questão no Judiciário”, avisou Cardozo.
Cabe ao Supremo, portanto, recusar-se a tomar parte nessa farsa. O ministro Edson Fachin, ao rejeitar o pedido de um deputado governista para que o Supremo decidisse a sequência de votação do impeachment, disse que “descabe a intervenção do Poder Judiciário”. É um bom sinal, mas o Supremo ainda parece suscetível a ideias extravagantes sobre seu papel neste momento crucial da história – basta lembrar a incrível liminar do ministro Marco Aurélio Mello que mandou a Câmara aceitar um processo de impeachment contra o vice Michel Temer. Assim, será preciso que todos façam sua parte, conforme manda a Constituição, para que as manobras antidemocráticas e chicaneiras de Dilma não prosperem.
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